Em meio à onda de protestos populares contra a República Islâmica e em favor dos direitos das mulheres, o governo do Irã passou a debater uma lei que, se aprovada, ampliará a repressão de gênero e negará às iranianas direitos básicos caso se recusem a usar o hijab, véu obrigatório no país. O alerta foi feito pela ONG Centro de Direitos Humanos no Irã (CHRI, na sigla em inglês), com sede em Nova York.
O véu é obrigatório no país desde 1981, dois anos após a Revolução Islâmica. Pela lei atual, mulheres que aparecerem em locais públicos sem o hijab estão sujeitas a uma pena que varia entre dez dias e dois meses de prisão ou uma multa de até 500 mil riais (R$ 56). A ideia do governo é intensificar as punições.
O projeto que vem sendo debatido prevê que as mulheres que se recusarem a usar o hijab perderiam o direito a serviços essenciais, como bancos e transporte público. Elas também correriam o risco de ter seus veículos pessoais apreendidos pelo Estado e seriam proibidas de viajar. Multas e penas de prisão seriam ainda mais duras, e funcionárias públicas teriam os salários reduzidos ou perderiam o emprego.
“As mulheres no Irã há muito tempo têm um status de cidadãs de segunda classe, tanto na estrutura legal quanto nas normas sociais”, diz Jasmin Ramsey, vice-diretora do CHRI. “Este projeto de lei sugere que simplesmente revelar o cabelo das mulheres deve resultar na negação de serviços essenciais, como acesso a bancos e transporte público, ou mesmo prisão.”
Pela nova lei, batizada “Castidade e Hijab”, o não uso do véu seria o equivalente à nudez, um ação considerada danosa à sociedade. “O projeto de lei proposto pelo governo visa a ampliar o escopo da discriminação institucionalizada ao estabelecer uma subclasse para mulheres sem véu”, afirma Ramsey.
O texto legal proposto também atinge homens, na medida em que determina que eventuais desrespeitos à lei devem ser denunciados às autoridades. “Ao impor um sistema de vigilância e denúncia, cria-se um ambiente de divisão e hostilidade entre os iranianos, deixando as mulheres ainda mais vulneráveis à violência”, diz a vice-diretora do CHRI.
Levante popular
O Irã vive um levante popular contra o governo iniciado após a morte de Mahsa Amini, uma jovem de 22 anos que visitava Teerã, capital do país, quando foi abordada pela “polícia da moralidade” por não usar “corretamente” o hijab.
As manifestações começaram no Curdistão, província onde ela vivia, e depois se espalharam por todo o país, com gritos de “morte ao ditador” e pedidos pelo fim da República Islâmica.
As forças de segurança iranianas passaram a reprimir as manifestações de forma violenta, com relatos de centenas de mortes nas mãos da polícia e inúmeros casos de execuções judiciais abusivas, aplicadas contra manifestantes julgados às pressas.
“A máquina de matar do governo está acelerando”, afirmou Mahmood Amiry Moghaddam, diretor da IHR. “O objetivo é intimidar as pessoas, e as vítimas são as pessoas mais fracas da sociedade”, acrescentou, referindo-se ao fato de que a maioria dos condenados pertence a minorias étnicas iranianas.
No início de outubro, a ONG Human Rights Watch (HRW) publicou um relatório que classifica o regime iraniano como “corrupto e autocrático”, denunciando uma série de abusos cometidos pelas forças de segurança na repressão aos protestos populares.
Além dos mortos e feridos, a HRW cita os casos de “centenas de ativistas, jornalistas e defensores de direitos humanos” que, mesmo de fora dos protestos, acabaram presos pelas autoridades. Condena ainda o corte dos serviços de internet, com plataformas de mídia social bloqueadas em todo o país desde o dia 21 de setembro, por ordem do Conselho de Segurança Nacional do Irã.