Diversas organizações humanitárias retomaram as atividades no Afeganistão após receberem garantias do Taleban de que as mulheres poderiam atuar em determinadas áreas. A organização jihadista que controla o país havia proibido o trabalho das afegãs em ONGs no final do mês passado, levando muitas agências a suspender as operações por falta de mão de obra. As informações são da agência Al Jazeera.
Anunciaram o retorno nesta semana, com atenção especial em saúde e nutrição, o Comitê Internacional de Resgate (IRC, da sigla em inglês), a Save the Children (Salve as Crianças, em tradução literal) e a CARE, uma organização humanitária internacional que luta contra a pobreza global e a fome no mundo trabalhando ao lado de mulheres e meninas.
No fim de 2022, autoridades talibãs deram ordens para que mulheres ligadas a ONGs locais e estrangeiras parassem de trabalhar até novo aviso, o que gerou reações globais de condenação. A justificativa foi a de que muitas dessas trabalhadoras humanitárias não estava fazendo uso do hijab, o véu que faz parte do conjunto de vestimentas recomendado pela doutrina islâmica.
Afegãos recebem ajuda humanitária após terremoto que atingiu seu país (Foto: Mark Naftalin/Unicef)
Em resposta à restrição anunciada pelo governo extremista, muitas ONGs paralisaram as atividades, alegando que precisavam de trabalhadoras para levar os serviços às mulheres no país, onde a repressão de gênero piorou desde a ascensão talibã.
“Na semana passada, o Ministério da Saúde Pública ofereceu garantias de que o pessoal de saúde do sexo feminino e as que trabalham em funções de apoio administrativo podem retomar o trabalho”, disse Nancy Dent, porta-voz do IRC. “Com base nessa clareza, o IRC reiniciou os serviços de saúde e nutrição por meio de nossas equipes de saúde estáticas e móveis em quatro províncias”.
À agência Reuters, um porta-voz do Ministério de Saúde Pública afegão negou que a pasta tenha interferido nos serviços. “Devido a um mal-entendido, eles (profissionais das ONGs) interromperam seus serviços de saúde e agora reiniciaram seus serviços de saúde”, disse ele.
A paralização parcial no serviço de apoio aos afegãos impactou na distribuição de comida, nos serviços de saúde e na educação. Este último setor, aliás, já havia sido fortemente impactado pelas decisões igualmente radicais dos talibãs de vetar a presença de meninas e mulheres nas escolas a partir da sexta série e nas universidades.
Pelo Twitter, a Save the Children disse que reiniciou um pequeno número de suas operações em saúde, nutrição e alguns de seus programas de educação. Também relatou que recebeu orientações claras das autoridades de que as mulheres trabalhadoras podem operar com segurança.
“No entanto, com a proibição geral ainda em vigor, nossas outras atividades nas quais não temos garantias confiáveis de que nossas colegas podem trabalhar permanecem suspensas”, disse o comunicado.
O porta-voz do Ministério da Economia, Abdul Rahman Habib, pasta de onde surgiu a ordem para que mulheres fossem proibidas de trabalhar, disse à agência de notícias AFP que era “uma necessidade da nossa sociedade” que as mulheres pudessem trabalhar no setor da saúde.
“Precisamos delas para apoiar as crianças desnutridas e outras mulheres que precisam de serviços de saúde. Elas estão trabalhando de acordo com nossos valores religiosos e culturais”, disse o porta-voz.
Mais de 28 milhões de afegãos, número que equivale a cerca de 70% da população do país, precisam de ajuda humanitária. Aproximadamente seis milhões de cidadãos “estão a apenas um passo da fome”, de acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas).
ONU em Cabul
Funcionários do alto escalão da ONU (Organização das Nações Unidas) chegaram a Cabul na segunda-feira (16) para conversar com autoridades talibãs. A visita ocorre dias depois de o secretário-geral da entidade, António Guterres, manifestar preocupação com a criação de um “apartheid baseado no gênero” pelo governo jihadista que tomou o poder em agosto de 2021.
A delegação inclui a vice-secretária-geral, Amina Mohamed, e Sima Bahous, secretária-executiva para as Mulheres.
Antes de chegar ao país, os representantes das Nações Unidas tiveram conversas em vários países da região, no Golfo, na Ásia e Europa, para discutir os direitos das mulheres e meninas e o desenvolvimento sustentável.
Por que isso importa?
A vida das mulheres tem sido particularmente dura no Afeganistão. Aquelas que tinham cargos no governo afegão antes da ascensão talibã seguem impedidas de trabalhar, e a cúpula do governo que prometia ser inclusiva é formada somente por homens. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas tem contribuído para o empobrecimento da população afegã.
Mulheres também não podem sair de casa desacompanhadas, e há relatos de solteiras e viúvas forçadas a se casar com combatentes. Para lembrar as afegãs de suas obrigações, os militantes ergueram cartazes em algumas áreas para informar os moradores sobre as regras. Em partes do país, as lojas estão proibidas de vender mercadorias a mulheres desacompanhadas.
Há ainda um código de vestimenta para as mulheres, forçadas a usar o hijab quando estão em público. Como forma de protestar, mulheres afegãs em todo o mundo iniciaram um movimento online, postando fotos nas redes sociais com tradicionais roupas afegãs coloridas, sempre acompanhadas de hashtags como #AfghanistanCulture (cultura afegã) e #DoNotTouchMyClothes (não toque nas minhas roupas).
A repressão de gênero é um das razões citadas pelas nações de todo o mundo para não reconhecerem o Taleban como governantes de direito do Afeganistão. Assim, o país segue isolado da comunidade internacional e afundado na pobreza. O reconhecimento internacional fortaleceria financeiramente um país pobre e sem perspectiva imediata de gerar riqueza.