Pela primeira vez desde que reassumiu o poder no Afeganistão em 2021, o governo do Taleban participará da Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, a COP29, que terá início na próxima semana em Baku, capital do Azerbaijão. A informação foi divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores do país no domingo (10) e reproduzida pela agência Reuters.
O evento será uma das reuniões multilaterais de maior destaque com representantes do governo talibã desde que retomou o controle de Cabul após duas décadas de conflito contra forças apoiadas pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Apesar da participação, o Afeganistão não possui representação formal na Assembleia Geral da ONU, e o Taleban não é reconhecido oficialmente pelos Estados-Membros da organização. Esse não reconhecimento é impulsionado pelas restrições que o grupo impôs sobre a educação e a liberdade de movimento das mulheres.
De acordo com o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores afegão, Abdul Qahar Balkhi, membros da Agência Nacional de Proteção Ambiental do Afeganistão já estão no Azerbaijão para o evento. Desde o retorno ao poder, o Taleban incorporou essa agência ao seu governo.
Embora autoridades do Taleban tenham participado de reuniões da ONU em Doha e de fóruns regionais na China e na Ásia Central, a COP vinha adiando, desde 2021, a inclusão do Afeganistão em debates formais. Assim, organizações afegãs também enfrentam dificuldades para se integrar às negociações climáticas internacionais.
Convidados como observadores, os representantes do Taleban terão a oportunidade de participar de discussões periféricas e realizar reuniões bilaterais, mas não podem obter credenciais para participar plenamente como outros Estados-Membros.
A situação climática no Afeganistão é crítica, com o país enfrentando severas inundações e uma das piores secas das últimas décadas, o que afeta gravemente os agricultores de subsistência e agrava a insegurança alimentar. Defensores argumentam que o isolamento internacional do Taleban afeta a população afegã, exacerbando suas necessidades humanitárias.
O isolamento afegão
Questões de direitos humanos representam o maior obstáculo à reinserção do Afeganistão na comunidade internacional. Sobretudo a repressão imposta às mulheres, que é classificada por muitos países e entidades humanitárias como apartheid de gênero.
As restrições às afegãs incluem a proibição de estudar, trabalhar e sair de casa sem a presença de um homem. Isso resulta na perda de emprego para muitas mulheres no país, contribuindo assim para o empobrecimento da população em geral.
A situação tornou-se ainda mais difícil nos últimos meses, após a imposição de um pacote de regras anunciado em agosto que proíbe uma série de atividades, incluindo o uso de transporte público, a execução de música e a realização de celebrações.
Entre as rígidas regras impostas, o artigo 13 exige que as mulheres cubram todo o corpo, incluindo o rosto, em público para evitar “tentação”. Elas não podem usar roupas que sejam transparentes, apertadas ou curtas. Além disso, devem se cobrir completamente, mesmo na frente de pessoas que não sejam muçulmanas, para prevenir “corrupção”.
As novas leis consideram até a voz da mulher algo “íntimo demais” para ser ouvido em espaços públicos, o que na prática as proíbe de cantar, declamar ou ler em voz alta. Elas também estão proibidas de olhar para homens que não sejam seus familiares próximos, assim como os homens não podem olhar para mulheres que não sejam suas parentes.
O documento, com 114 páginas e 35 artigos, é a primeira declaração oficial de leis sobre vícios e virtudes desde que o Taleban retornou ao poder em 2021, representando um passo importante na institucionalização de sua interpretação da lei islâmica.