Taleban sustenta repressão de gênero e diz que afegãs devem se casar para poder trabalhar

No Afeganistão, o simples fato de sair de casa sem uma companhia masculina é passível de punição para as mulheres

Desde que reassumiu o poder no Afeganistão, em agosto de 2021, o Taleban tem imposto uma série de restrições às mulheres, invariavelmente obrigadas e ter a companhia de um tutor do sexo masculino para sair de casa. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), há casos inclusive de afegãs pressionadas a se casar caso queiram exercer certos direitos. As informações são da agência Associated Press (AP).

Embora não exista uma lei que obrigue as mulheres a terem um tutor masculino, tal exigência é cada vez mais frequente no Afeganistão. Aconteceu, por exemplo, com três profissionais do setor de saúde que foram ao trabalho desacompanhadas e acabaram detidas. Parentes foram convocados e obrigados a assinar um termo de compromisso prometendo que a situação não se repetiria.

Na província de Paktia, mulheres desacompanhadas de um parente consanguíneo ou do marido estão proibidas de trabalhar em estabelecimentos de saúde pública, por ordem do Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício.

Em um caso extremo, uma afegã foi abordada por um agente talibã que, ao constatar se tratar de uma mulher solteira, a orientou a se casar para continuar exercendo a própria profissão.

Uma mulher é tratada por seus ferimentos após terremoto no Afeganistão em 2022 (Foto: WikiCommons)

Além do trabalho, a educação também vem sendo negada às afegãs desde o início do regime talibã, com mulheres impedidas de estudar depois da sexta série. Segundo a ONU, tais restrições contribuem para o empobrecimento do país, afundado em uma crise sem perspectiva de ser solucionada.

“A educação e a participação das mulheres e das meninas na vida pública são fundamentais para qualquer sociedade moderna. A relegação de mulheres e meninas à casa nega ao Afeganistão o benefício das contribuições significativas que têm para oferecer. A educação para todos não é apenas um direito humano básico, é a chave para o progresso e o desenvolvimento de uma nação”, afirmou Markus Potzel, representante especial do secretário-geral interino para o Afeganistão.

O acesso ao transporte público também é proibido quando mulheres desacompanhadas fazem viagens longas, com motoristas de ônibus instruídos a impedir que elas entrem nos veículos sozinhas. No início do mês, a ONU havia condenado também a decisão do Taleban de prender mulheres acusadas de desrespeitar o código de vestimenta imposto pelos radicais.

Em comunicado, o principal porta-voz do Taleban, Zabihullah Mujahid, disse que a ONU faz sua avaliação sem levar em conta a leis islâmica, a Sharia, que segundo ele impõe restrições não apenas às mulheres, mas também aos homens.

“Se a Unama (Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão) critica estes casos ou considera as decisões islâmicas explícitas como um ato contra os direitos humanos, então é um insulto às crenças de um povo”, disse ele.

Apartheid de gênero

A situação das afegãs foi classificada pela ONU em setembro de 2023 como “apartheid de gênero”, de acordo com o relator especial da sobre a situação de direitos humanos no Afeganistão, Richard Bennett. Já o alto-comissário de direitos humanos Volker Turk afirmou que “o nível chocante de opressão contra mulheres e meninas afegãs é incomensuravelmente cruel.” 

Bennet disse na oportunidade que a discriminação sistemática, generalizada e institucionalizada estabelecida no país tem o objetivo de excluir as mulheres de todas as facetas da vida. Ele pediu ao Taleban que reverta suas “políticas draconianas e misóginas” e lamentou que o Afeganistão tenha se tornado “um lugar onde as vozes das mulheres desapareceram completamente.” 

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