Um relatório entregue pelo secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, ao Conselho de Segurança do órgão, afirma que, desde que assumiu o poder no Afeganistão, em 15 de agosto, o Taleban assassinou mais de cem membros do antigo governo afegão, ex-agentes das forças de segurança nacional e indivíduos que colaboraram com as forças estrangeiras de ocupação.
O documento, que ainda não foi publicado pela ONU, foi obtido pela agência Associated Press (AP) e reforça acusações feitas anteriormente pela ONG Human Rights Watch (HRW), que fez alegações semelhantes em um documento publicado no início de dezembro de 2021.
Guterres afirma no relatório que “mais de dois terços” dos casos estão relacionados a execuções extrajudiciais conduzidas pelo Taleban ou seus afiliados, apesar do anúncio do grupo radical de que iria anistiar os afiliados ao antigo governo e às forças de coalizão lideradas pelos EUA.
Também teriam sido vítimas do mesmo processo sumário cerca de 50 supostos integrantes do Estado Islâmico-Khorasan (EI-K), grupo extremista que combate os talibãs no Afeganistão.
Não são apenas os opositores do grupo radical que sofrem perseguição. Guterres diz no relatório que os defensores dos direitos humanos e a mídia também continuam “sob ataque, intimidação, assédio, prisão arbitrária, maus-tratos e assassinatos”.
Oito ativistas da sociedade civil foram mortos, incluindo três pelos talibãs e outros três por extremistas do EI-K. Há ainda dez casos de indivíduos submetidos a prisões temporárias, espancamentos e ameaças. Dois jornalistas foram mortos, um deles pelo EI-K, e outros dois foram feridos por homens armados desconhecidos.
De acordo com o secretário-geral, as missões da ONU documentaram 44 casos de prisões temporárias, espancamentos e ameaças de intimidação, 42 deles pelo Taleban.
Por que isso importa?
O radicalismo do Taleban não faz bem ao Afeganistão, cuja economia está em queda livre, com 23 milhões de pessoas passando fome no país, de acordo com dados divulgados pela ONU (Organização das Nações Unidas) em dezembro de 2021. A crise ocorre em meio à desvalorização acentuada do afegane, a moeda do país, e à falta de confiança do setor financeiro, que destrói o comércio e bloqueia empréstimos e investimentos estrangeiros.
A melhora da situação depende do reconhecimento dos talibãs como governo legítimo, algo impensável em meio às denuncias de abusos dos direitos humanos. O reconhecimento é crucial para fortalecer financeiramente um país pobre e sem perspectivas imediatas de gerar riqueza, pois suspenderia sanções econômicas e liberaria milhões de dólares bloqueados aos quais o país tem direito.
O Taleban chegou a se reunir com autoridades internacionais a fim de garantir que a assistência humanitária seja mantida no país, mas ficou nisso. Em dezembro de 2021, uma Assembleia Geral da ONU adiou indeterminadamente o processo de oficialização do governo talibã. O anúncio da resolução significa que a organização islâmica não será autorizada a entrar no organismo intergovernamental.
As acusações de abusos dos direitos humanos e de repressão, sobretudo contra as mulheres, afastam cada vez mais o governo talibã da comunidade internacional. Tanto que, até agora, nenhuma nação reconheceu formalmente o Taleban como poder legítimo no país, apesar da aproximação com países como China e Paquistão.