Violações do Irã podem equivaler a crimes contra a humanidade, diz especialista da ONU

Onda de protestos antigovernamentais ocorre desde setembro e tem sido respondida com violência pelas autoridades islâmicas

A lista é grande: assassinatos, prisões, desaparecimentos forçados, tortura, estupro, violência sexual e perseguição. Segundo disse nesta segunda-feira (20) Javaid Rehman, um especialista independente nomeado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), as violações cometidas por autoridades iranianas desde o início do caos social na República Islâmica há seis meses podem equivaler a crimes contra a humanidade. As informações são da agência Reuters.

Uma onda de protestos antigovernamentais ocorre desde setembro no Irã após a morte de Mahsa Amini, uma jovem de 22 anos que visitava Teerã quando foi abordada pela “polícia da moralidade” por não usar “corretamente” o hijab, o véu obrigatório para as mulheres.

Rehman, relator especial sobre o Irã, disse em Genebra, sede do Conselho, que há evidências de que Mahsa morreu pelas mãos do Estado “como resultado de espancamentos da polícia moralidade”. Oficialmente, porém, o Conselho de Medicina iraniana atestou que a morte foi causada por uma doença, sem qualquer relação com as agressões.

Polícia iraniana durante protestos em 2018 (Foto: WikiCommons)

Após a declaração, cerca de 800 médicos iranianos, todos membros do Conselho de Medicina do país, acusaram o chefe do órgão, Mohammad Raeiszadeh, de servir ao governo central e assim ocultar a verdadeira causa da morte de Mahsa.

Rehman acrescentou que a escala e a gravidade da resposta das autoridades às manifestações após a morte da jovem curda “apontam para a possível prática de crimes internacionais, notadamente os crimes contra a humanidade”.

De acordo com a Agência de Notícias de Ativistas de Direitos Humanos (HRANA), já são pelo menos 529 manifestantes mortos e aproximadamente 20 mil presos. 

Quatro manifestantes foram enforcados desde dezembro, enquanto outros 107 foram condenados à morte ou acusados ​​de crimes capitais. A primeira execução foi cumprida no começo de dezembro, quando o rapper Moshen Shekari foi enforcado após ter o recurso de sua sentença rejeitado pela Suprema Corte do Irã, acusado de “inimizade contra Deus”.

Mulheres e crianças não escaparam da repressão. Do total de mortos, 71 são crianças, disse Rehman. O relator observa que algumas foram espancadas até a morte pela polícia iraniana. Mulheres e meninas foram atingidas com tiros de espingarda em seus rostos, seios e órgãos genitais, acrescentou o relator, que obteve as informações com médicos iranianos.

“As crianças libertadas descreveram abusos sexuais, ameaças de estupro, açoites, administração de choques elétricos e como suas cabeças foram mantidas debaixo d’água, como foram suspensas de seus braços ou de lenços enrolados em seus pescoços”, disse Rehman em seu discurso.

O conselho de 47 membros, o único órgão formado por governos para proteger os direitos humanos em todo o mundo, votou em novembro para que seja aberta uma investigação independente sobre a repressão de protestos do Irã, o que está em curso atualmente. 

Evidências reunidas por outras investigações estabelecidas pelo conselho de direitos da ONU são eventualmente usadas em tribunais internacionais.

Por que isso importa?

Nos últimos meses, protestos populares tomaram as ruas iranianas após a morte de Mahsa Amini, uma jovem de 22 anos que visitava Teerã quando foi abordada pela “polícia da moralidade” por não usar “corretamente” o hijab, o véu obrigatório para as mulheres. Sob custódia, ela desmaiou, entrou em coma e morreu três dias depois.

Os protestos começaram no Curdistão, província onde vivia Mahsa, e depois se espalharam por todo o país, com gritos de “morte ao ditador” e pedidos pelo fim da república islâmica. As forças de segurança iranianas passaram a reprimir as manifestações de forma violenta, com relatos de dezenas de mortes.

No início de outubro, a ONG Human Rights Watch (HRW) publicou um relatório que classifica o regime iraniano como “corrupto e autocrático”, denunciando uma série de abusos cometidos pelas forças de segurança na repressão aos protestos populares.

Além dos mortos e feridos, a HRW cita os casos de “centenas de ativistas, jornalistas e defensores de direitos humanos” que, mesmo de fora dos protestos, acabaram presos pelas autoridades. Condena ainda o corte dos serviços de internet, com plataformas de mídia social bloqueadas em todo o país desde o dia 21 de setembro, por ordem do Conselho de Segurança Nacional do Irã.

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