Washington admite que ação militar matou fazendeiro confundido com líder da Al-Qaeda

Ataque de drone em maio de 2023 foi celebrado como uma vitória na luta contra o terrorismo. Investigação mostrou o contrário

Há exatamente um ano, no dia 3 de maio de 2023, o governo dos EUA anunciou que um ataque de drone realizado na Síria havia matado uma importante figura da Al-Qaeda. Nesta quinta-feira (3), entretanto, as Forças Armadas norte-americanas divulgaram um documento assumindo um erro fatal naquela operação: o alvo atingido era, na realidade, um inocente fazendeiro.

“A investigação determinou que as forças dos EUA identificaram erradamente o alvo pretendido da Al-Qaeda e que um civil, o Sr. Lufti Hasan Masto, foi atingido e morto”, diz comunicado publicado pelo Comando Central (Centcom) das Forças Armadas dos EUA.

No texto, o Cenctom afirma que certas conclusões provenientes da investigação não podem ser reveladas porque envolvem informações confidenciais. No entanto, admite ter constatado “vários problemas” na operação militar que “poderiam ser melhorados”

Forças Armadas norte-americanas em ação na Síria, novembro de 2019 (Foto: The National Guard/Flickr)

O possível erro militar dos EUA já havia sido apontado pelo jornal The Washington Post. Uma investigação conduzida pelo periódico revelou detalhes da morte de Hasan Masto, que cuidava de suas cabras quando foi avistado por um drone norte-americano que disparou um míssil, atingindo o fazendeiro ao lado da casa dele.

As revelações do jornal foram feitas no dia 18 de maio de 2023, e Washington ainda levou cerca de um mês para iniciar uma investigação. Ainda assim, praticamente nenhum detalhe do caso foi revelado pelo Centcom, além da própria confirmação do erro fatal, sob o argumento de que inclui dados sigilosos.

Aquele não foi um caso isolado, e a repetição de episódios semelhantes já havia levado o governo norte-americano, no início da gestão de Joe Biden, a prometer uma nova postura para minimizar as mortes de civis.

Al-Qaeda enfraquecida

Embora as ações antiterrorismo globais tenham enfraquecido consideravelmente a Al-Qaeda nos últimos anos, ela consegue se manter relevante e atuante. A estratégia inclui o recrutamento de novos seguidores através da internet e a forte presença em zonas de conflito como a África, onde é representada por grupos afiliados regionais, o Afeganistão e a Síria.

A sobrevivência do grupo pode ser explicada sobretudo pela tomada de poder pelo Taleban no território afegão. “As avaliações dos Estados-Membros até agora sugerem que a Al-Qaeda tem um porto seguro sob o Taleban e maior liberdade de ação”, diz relatório da ONU divulgado no final de maio de 2023.

Ainda segundo o documento da ONU, o grupo teria entre 180 e 400 combatentes no Afeganistão, com as estimativas dos Estados-Membros inclinando-se para o número mais baixo. São citados cidadãos de Bangladesh, Índia, Mianmar e Paquistão como a base da facção.

O ex-líder da organização Ayman al-Zawahri, inclusive, foi morto em território afegão em um ataque das forças armadas dos EUA no dia 1º de agosto de 2022.

Anteriormente, a ONU já havia lembrado que a Al-Qaeda chegou a parabenizar publicamente os talibãs pela ascensão ao poder. E alegou que um filho de Bin Laden, Abdallah, visitou o Afeganistão em outubro de 2021 para reuniões com o Taleban.

Terrorismo no Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas e é, também, um possível alvo de ataques. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao EI foram presos e dois fugiram.

Mais tarde, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles foram acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

A ameaça voltou a ser evidenciada com a prisão, em outubro de 2023, de três indivíduos supostamente ligados ao Hezbollah que operavam no Brasil. Eles atuavam com a divulgação de propaganda do grupo extremista e planejavam atentados contra entidades judaicas.

Para o tenente-coronel do exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), tais episódios causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras).

A opinião é compartilhada por Barbara Krysttal, gestora de políticas públicas e analista de inteligência antiterrorismo.

“O Brasil recorrentemente, nos últimos dez, cinco anos, tem tido um aumento significativo de grupos terroristas assediando jovens e cooptando adultos jovens para fazer parte de ações terroristas no mundo todo”, disse ela, que também vê o país sob ameaça de atentados. “Sim, é um polo que tem possibilidade de ser alvo de ações terroristas.”

Tags: