‘Pandemia pode trazer um cessar-fogo global’, diz comentarista do FT

Coronavírus impulsionou tréguas temporárias em conflitos pelo mundo; resta saber se mudança é mais duradoura

O pedido do secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), o português António Guterres, por um “cessar-fogo global” seria a possibilidade de um “raio de luz que pode estar emergindo de um local improvável”, a ONU.

A avaliação é do comentarista para assuntos internacionais do jornal britânico “Financial Times” Gideon Rachman, em coluna na edição norte-americana desta terça (28).

O pedido impulsionou armistícios temporários na Síria e no Iêmen desde o início da pandemia do novo coronavírus. O cenário no resto do mundo já é grave, com a fortíssima retração econômica causada pelo isolamento social.

Arábia Saudita estende cessar-fogo no Iêmen
A capital iemenita, Sanaa, em foto anterior à atual guerra, em 2012 (Foto: UN Photo)

Nos países em guerra, a própria ONU já anunciou a possibilidade de uma “fome de proporções bíblicas“, que pode bater à porta de 77 milhões de pessoas, no último dia 21.

A população mundial que sofre de insegurança alimentar grave, ou seja, não consegue garantir o básico, pode dobrar de 135 milhões para 265 milhões. A maioria, estima-se, vive em países já arrasados por conflitos, como Iêmen, Congo, Afeganistão, Etiópia, Síria, Sudão do Sul.

Impacto positivo

O colunista lembra o impacto afinal positivo de outra tragédia: o tsunami que varreu a Ásia logo após o Natal de 2004, matando cerca de 250 mil pessoas. Perto do epicentro do desastre, a província indonésia de Aceh, no extremo oeste do país, vivia conflito separatista que os esforços de resgate acabaram por apaziguar em 2005.

Para Rachman, “proclamações esnobes emitidas em Nova York” não são catalisadoras de mudanças, mas podem ter efeito poderoso ao permitir que uma das partes “encontrem a desculpa que precisavam para deixar um conflito”.

O colunista usa o exemplo da Arábia Saudita, que anunciou um cessar-fogo unilateral no último dia 9 contra os rebeldes houthis no Iêmen, agora estendido por mais um mês.

A guerra começou ainda em 2015, a coalizão de Riad já perdeu a capital Sanaa e agora apela ao outro lado que respeite o acordo de paz assinado em novembro de 2019.

Na Síria, foi anunciado um cessar-fogo por parte das chamadas Forças Democráticas Sírias, em sua maioria curda, citando a ONU. Ali, os negociadores de paz afirmam sentir interesse em um armistício também dos jihadistas e do governo Assad.

O coronavírus também teria sido o catalisador de armistícios ao menos temporários em países como Mianmar, no sul da Ásia, República Centro-Africana, Camarões e Sudão do Sul.

Rachman afirma que “esse progresso pode ser efêmero”, mas propostas como a de resolução do Conselho de Segurança da ONU, que prevê esforços coordenados de paz durante a pandemia, sinalizam esforço na direção correta. A medida está em debate, mas ainda não foi aprovada pelos membros.

Em condições normais, finaliza o colunista, discutir segurança internacional estaria longe de ser uma questão que uniria os tão opostos interesses representados no Conselho da ONU. Mas esses são “tempos estranhos”.

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