Atentado em Moscou confirma que o EI-K é agora uma ameaça global

Órgãos intergovenamentais, governos e analistas de segurança alertavam que o grupo em breve conseguiria agir fora do Afeganistão

No dia 26 de agosto de 2021, já com o Taleban no poder no Afeganistão após a retirada das tropas estrangeiras, um violento atentado no aeroporto de Cabul matou 182 pessoas. Aquele ataque apresentou ao mundo o Estado Islâmico-Khorasan (EI-K), uma facção do Estado Islâmico (EI) do Iraque e da Síria que vinha operando desde 2015, mas ainda se mantinha longe dos holofotes. Desde então, governos, órgãos intergovernamentais e analistas de segurança passaram a alertar para o fortalecimento do grupo afegão, sob o argumento de que em breve teria força suficiente para realizar ataques no exterior. As projeções se confirmaram na última sexta-feira (22), quando a organização reivindicou a autoria de uma ação que matou ao menos 137 pessoas em uma casa de espetáculos de Moscou.

Em setembro de 2021, pouco depois do ataque em Cabul, A Referência conversou com a Dra. Isabelle Somma de Castro, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP, para entender melhor a origem e a atuação do EI-K. Na ocasião, ela explicou que a facção foi formada “por membros de outros grupos do Paquistão, que escaparam da crescente pressão das forças de segurança locais para o Afeganistão.”

André Luís Woloszyn, analista de assuntos estratégicos e especialista em conflitos de baixa e média intensidade, também conversou com a reportagem na ocasião e explicou que “não há diferença substancial” entre o EI e o EI-K. “Somente o local de origem”, disse ele, referindo-se a Khorasan, uma região histórica que abrangia o nordeste do Irã, o sul do Turcomenistão e o norte do Afeganistão.

Nos últimos anos, o EI-K se estabeleceu como o principal desafio de segurança do Taleban no Afeganistão. Os ataques do grupo no território afegão são frequentes, tendo justamente os talibãs como alvo preferencial. Entre os civis, os insurgentes costumam concentrar suas ações violentas em minorias étnicas xiitas, sobretudo a dos hazara.

Ataque terrorista no Crocus City Hall, em Moscou (Foto: WikiCommons)

Em abril de 2022, a União Europeia (UE) calculou que o EI-K tinha cerca de quatro mil integrantes no Afeganistão. “Um número relativamente pequeno, mas crescente, de antigos membros dos serviços de informações e de unidades militares de elite do Afeganistão terá alegadamente se juntado ao EI-K para resistir aos Taleban”, afirmou o órgão.

Novo relatório de segurança, este publicado pelo Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) em agosto de 2023, fez projeção semelhante. “O grupo teria aumentado as suas capacidades operacionais dentro do Afeganistão, com combatentes e familiares estimados entre quatro e seis mil indivíduos”, diz o documento.

Porém, já se cogitava a possibilidade de o EI-K se fortalecer a ponto de conseguir cruzar a fronteira afegã. “A situação no Afeganistão tornou-se mais complexa, com preocupações crescentes dos Estados-Membros sobre a capacidade do Estado Islâmico-Khorasan (EI-K) de projetar uma ameaça tanto na região como mais longe”, segundo o relatório.

EI-K diversifica suas ações

Foi o ataque em Moscou que chamou a atenção para a capacidade do EI-K de agir fora do Afeganistão. Não foi, porém, o primeiro ataque no exterior. Em janeiro deste ano, o grupo realizou um ousado ataque no Irã durante um memorial em homenagem a uma importante figura militar local, com 84 mortos. No mesmo mês, o grupo matou uma pessoa em uma igreja católica de Istambul, na Turquia.

Em Moscou, a operação foi ainda mais ousada devido à segurança habitualmente reforçada na cidade. Ao menos quatro homens com rifles automáticos invadiram o Crocus City Hall durante o show de uma banda que foi bastante popular nos tempos da extinta União Soviética, segundo informações da agência Associated Press (AP).

O show estava prestes a começar quando os homens começaram a disparar contra a multidão. Até a manhã desta segunda-feira (25), pelo horário de Brasília, 137 pessoas haviam morrido. O EI-K assumiu a autoria, e na sequência as autoridades russas começaram a efetuar prisões.

A violência extremista, entretanto, não pegou o governo russo totalmente de surpresa. No início do mês, a embaixada norte-americana em Moscou alertou seus cidadãos para o risco de atentados na cidade.

“A Embaixada está monitorando relatos de que os extremistas têm planos iminentes de visar grandes reuniões em Moscou, incluindo concertos, e os cidadãos dos EUA devem ser aconselhados a evitar grandes reuniões durante as próximas 48 horas”, disse a diplomacia norte-americana na ocasião.

De quem é a culpa?

Após o atentado de sexta-feira, o Kremlin chegou a sugerir o envolvimento da Ucrânia, que prontamente negou. Kiev recebeu o apoio de Washington em suas negativas, o que, mais uma vez, levou a uma reação russa.

“Com que base as autoridades em Washington, no meio de uma tragédia, estão tirando conclusões sobre a não cumplicidade de alguém?”, disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores Maria Zakharova. “Se os EUA têm ou tiveram informações confiáveis ​​sobre isso, deveriam transmiti-las imediatamente ao lado russo. Se não o fizerem, a Casa Branca não tem o direito de conceder a absolvição.”

No domingo (24), dois dias depois do ataque, quatro indivíduos foram apresentados pelas autoridades russas durante uma audiência. Seriam os responsáveis pelo atentado, todos com hematomas visíveis no rosto. Acusados de terrorismo, podem pegar prisão perpétua.

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