EI-K parece substituir o Taleban como maior ameaça terrorista afegã, afirma analista

Mahmut Cengiz diz que o grupo já começa a agir fora do Afeganistão e é um desafio adicional para um país afundado em problemas

“O EI-K (Estado Islâmico-Khorasan) parece estar substituindo o terror talibã no Afeganistão“. A afirmação é de Mahmut Cengiz, professor da Universidade George Mason, nos EUA, e especialista em terrorismo, crime transnacional e corrupção. Em artigo publicado na revista Homeland Security Today, ele diz que o grupo inclusive ampliou sua atuação para além das fronteiras afegãs, e a tendência é a de que o mundo veja “cada vez mais mais futuros ataques sangrentos contra afegãos”.

Cengiz destaca que, antes de assumir o poder como governante de fato do Afeganistão, com a retirada das tropas dos EUA em agosto de 2021, o Taleban era responsável pela maioria dos ataques terroristas no país. Em 2020, por exemplo, foram 1.722 incidentes que mataram 8.522 pessoas, a maioria deles atribuída aos talibãs. Já o EI-K foi autor de somente 22 dessas ações.

“No entanto, o EI-K parece ser uma organização terrorista dominante no país após a ascensão do Taleban em agosto de 2021″, diz o professor.

Homem-bomba do EI-K no Afeganistão (Foto: reprodução de vídeo)

A situação cria um problema adicional para os governantes afegãos de fato, que já precisam lidar com uma série de questões políticas, econômicas e sociais. A economia afegã está em frangalhos, com o país impedido de usar ativos congelados pelo Ocidente porque o Taleban não é internacionalmente reconhecido como governo de direito. Pesa para isso também a opressão às mulheres, às quais foram impostas diversas restrições, entre elas o veto ao ensino universitário.

“O governo talibã falha em agir como um governo funcional que lida com as intermináveis ​​questões do país”, afirma Cengiz, citando ainda a polarização étnica que coloca o Taleban na mira de grupos de resistência no norte afegão. “Sob todas essas circunstâncias, não é surpreendente listar o terrorismo e as ameaças à segurança como os outros principais problemas do país”, acrescenta.

Afegãos desprotegidos

O Taleban entrou na mira de entidades humanitárias globais por sua inabilidade no campo da segurança. Em setembro do ano passado, a ONG Human Rights Watch (HRW) publicou relatório destacando a ineficiência dos talibãs em sua obrigação de proteger a população local, especialmente algumas minorias xiitas, das ações violentas do EI-K. O documento foca particularmente no caso dos hazaras, comunidade que vive principalmente na região de Hazarajat, mas já se espalha por todo o país.

“Eles são o maior alvo do EI-K devido à identidade religiosa”, afirma Cengiz. “O EI considera os xiitas como apóstatas que precisam ser punidos. Eles também são alvos fáceis para o EI-K, já que o Taleban reluta em proteger os hazaras”, completa ele, reforçando a denúncia da HRW.

São muitas as questões que colocam as duas organizações em lados opostos, apesar de serem grupos radicais islâmicos. “O EI-K vê o Taleban como uma organização herege porque o Taleban colaborou com os países ocidentais e se juntou às negociações de paz com o Estados Unidos. O EI-K acredita que o Taleban é uma ameaça irreconciliável que deve ser combatida militarmente”.

Religiosamente, o EI-K é adepto do Salafismo jihadista, pregando que o mundo deveria seguir os preceitos históricos do Islamismo. Já o Taleban segue o Hanafismo, menos radical e visto por seus rivais como deficiente.

Estrangeiros na mira

Atualmente, os ataques do EI-K não mais se limitam a atingir representantes do governo talibã e xiitas. “O EI-K expandiu sua lista de alvos e incluiu diplomatas, infraestrutura crítica e multidões em locais públicos”, afirma o professor.

As ações contra cidadãos estrangeiros tem gerado uma enorme dor de cabeça, com governos aliados voltando-se contra os talibãs. Dois ataques colocaram em perigo cidadãos chineses, cujo país tem sido o principal parceiro comercial do Afeganistão desde a tomada de poder.

Em janeiro deste ano, um ataque suicida deixou ao menos cinco pessoas mortas em uma região que abriga embaixadas estrangeiras, como as de China e Turquia. Já um hotel frequentado sobretudo por chineses foi atacado em dezembro do ano passado, sem vítimas civis. Na ocasião, Beijing emitiu um comunicado a seus cidadãos para que deixassem o Afeganistão “o mais rápido possível”.

Wang Wenbin, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, cobrou na ocasião uma “investigação completa” do ocorrido e instou o Taleban a adotar “medidas firmes e resolutas para garantir a segurança dos cidadãos, instituições e projetos chineses no Afeganistão”.

Antes, em setembro de 2022, um terrorista suicida explodiu uma bomba do lado de fora da embaixada da Rússia, matando dois funcionários e quatro afegãos que solicitariam visto. Três meses depois, em dezembro, o chefe do corpo diplomático do Paquistão sobreviveu a uma tentativa de assassinato realizada por um suposto atirador do EI-K. Assim como Beijing, Moscou e Islamabad estão entre os governos dispostos a dialogar com os talibãs, mas a violência tem distanciado os governos.

Diante desse cenário, fica claro que o EI-K conseguiu se expandir nos últimos anos, ganhando força até fora do Afeganistão. “Antes da ascensão do Taleban, o EI-K operava limitadamente em Cabul, e suas atividades estavam confinadas às províncias de Kunar e Nangarhar”, diz Cengiz “No entanto, o grupo, com sua estrutura organizacional que inclui jihadistas globais, consegue exercer sua influência em quase todas as 34 províncias e continuou a realizar ataques no Uzbequistão, Tadjiquistão e Paquistão em 2022″.

Sob pressão de todos os lados, os talibãs intensificaram o combate ao grupo extremista. Porém, o especialista não projeta um cenário otimista daqui em diante. “Os esforços e capacidades para 2022 são fortes indicadores do crescente perigo do EI-K na região, e o mundo verá cada vez mais futuros ataques sangrentos contra afegãos cansados ​​da guerra”, afirma.

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