Tablet perdido revela segredos de grupo russo de mercenários, o ‘Wagner Group’

Wagner Group atuou na guerra civil ao lado do general Khalifa Haftar contra o governo líbio apoiado pela ONU

Um tablet perdido ajudou a expor os segredos de um grupo russo de mercenários, o Wagner Group. Uma reportagem da rede britânica BBC teve acesso ao equipamento, que expõe a participação da milícia na guerra civil da Líbia, sugere a proximidade entre associados do grupo e o governo russo e dá fortes indícios de que os mercenários são responsáveis por inúmeros crimes de guerra.

Oficialmente, o Wagner Group sequer existe. Mas há indícios de que ao menos 10 mil pessoas já atuaram para a misteriosa organização, cuja primeira empreitada de que se tem notícia foi em 2014, quando se aliou a separatistas pró-Rússia contra o governo da Ucrânia. Desde então, há sinais de presença do grupo em conflitos em diversos países, como Líbia, Síria, Sudão, Moçambique e República Centro Africana.

Guerra civil líbia

Na Líbia, a organização paramilitar teria apoiado o general Khalifa Haftar, líder dos rebeldes contra o governo de Trípoli apoiado pela ONU (Organização das Nações Unidas). A parceria entre Wagner e Haftar teria começado em 2019 e durado até o cessar-fogo, em outubro de 2020.

Uma das conexões entre a Líbia é o Wagner Group é Saif al-Islam Gaddafi, filho do ex-ditador Muamar Gaddafi e tido como o preferido de Moscou para governar o país do Oriente Médio. Ele foi preso durante o levante popular de 2011 e mais tarde condenado à morte, mas foi libertado em 2017 pela milícia que o prendia. Hoje, há um mandado de prisão internacional contra ele justamente em função de crimes supostamente cometidos pelos mercenários.

General líbio Khalifa Haftar em visita à Rússia (Foto: Ministério das Relações Exteriores da Rússia/Flickr)

Entre os crimes de guerra dos quais o grupo é acusado está e colocação de minas terrestres ocultas em áreas civis. Um cidadão líbio conta, ainda, que precisou se fingir de morto para não ser executado pelos mercenários enquanto parentes dele eram mortos. Soldados também teriam sido assassinados depois de terem se rendido, segundo um militar que conseguiu se esconder enquanto os colegas eram mortos.

Um mercenário ouvido pela reportagem confirmou que o procedimento de matar soldados que se rendem é habitual no Wagner Group. “Ninguém quer ter mais uma boca para alimentar”, disse ele. Um outro afirmou que os prisioneiros têm duas funções: fornecer informações úteis ou atuar como “escravos”. Caso não se enquadrem em nenhuma delas, “o resultado é óbvio”.

De Trípoli a Moscou

A inteligência da Líbia teve acesso a uma lista de armamentos solicitados pela organização paramilitar. A relação tem quatro tanques blindados, centenas de rifles Kalashnikov e um avançado sistema de radar. Segundo um especialista, muitos dos equipamentos são exclusividade das forças armadas russas, o que leva a um indivíduo: Dmitry Utkin, ex-membro da inteligência militar de Moscou e possivelmente o fundador do Wagner Group.

O mesmo especialista consultado pela reportagem põe outros dois nomes no radar. Um deles é o de Yevgeny Prigozhin, empresário russo próximo ao presidente Vladimir Putin. O outro é a empresa Evro Polis, que entrou na lista de sanções financeiras dos Estados Unidos em 2018, acusada de fornecer proteção aos campos de petróleo sírios ligados a Prigozhin.

O governo russo nega qualquer vínculo com o Wagner Group, mas o mercenário ouvido pela reportagem sugere o oposto. Ele afirmou que a organização “é uma estrutura que visa promover os interesses do Estado para além das fronteiras do nosso país”. E classificou os combatentes como “profissionais da guerra”, pessoas em busca de emprego ou apenas “românticos que querem servir seu país”.

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