Navio turco é suspeito de servir terroristas, em escândalo que respinga no governo Erdogan

Embarcação pertenceu a uma agência humanitária que prestou serviços a extremistas com o aval de figuras do governo turco

A ONU (Organização das Nações Unidas) abriu uma investigação para apurar a presença de um navio turco em uma região dominada pelo grupo extremista Al-Shabaab, na costa da Somália, entre os dias 12 e 13 de agosto de 2021. Trata-se de uma embarcação usada anteriormente para dar suporte a grupos extremistas e inserida em um escândalo que atinge o atual presidente da Turquia, Recep Erdogan. As informações são do site Nordic Monitor.

Em agosto de 2021, o cargueiro Anatolian era propriedade da empresa turca Mavi Deniz e ficou estacionado, por cerca de 24 horas, a menos de um quilômetro de uma área costeira dominada pelo Al-Shabaab, onde sequer as forças de segurança nacionais conseguem atuar. Os donos do navio dizem ter sido alvo de um ataque de piratas, mas a justificativa não convenceu totalmente a ONU.

“Essa área não é patrulhada pelas forças de segurança somalis, e o Al-Shabaab tem uma fortaleza 30 quilômetros no interior da região, em uma localidade chamada Ali Gaudud”, diz a investigação da ONU, que suspeita da possibilidade de a embarcação ter sido usada para transportar armas.

O próprio histórico do navio reforça a suspeita. Inicialmente um navio de passageiros chamado Mavi Marmara, foi transformado em um cargueiro e rebatizado Anatolian. Até 2018, pertencia à agência humanitária turca IHH, acusada de ser apenas fachada. A entidade, na verdade, prestava serviços a grupos extremistas, com destaque para a Al-Qaeda, à qual o Al-Shabaab é vinculado, e o Estado Islâmico (EI).

Navio turco é suspeito de servir terroristas, em escândalo que respinga no governo Erdogan
O navio de passageiros Mavi Marmara virou um cargueiro, rebatizado Anatolian (Foto: fleetmon.com/)

Em 2018, a embarcação foi vendida à família do empresário turco Erdal Tümsek, dono da empresa Koza Nakliyat, que em agosto de 2018 mudou de nome para Mavi Deniz. Em sérias dificuldades financeiras, a Mavi Deniz declarou falência em 2019, pedido reconhecido por uma corte turca em setembro de 2021. Ou seja, quando os eventos na Somália ocorreram, o navio estava registrado na Justiça como garantia aos credores da empresa.

Em novembro de 2021, a Justiça determinou a venda do Anatolian para a empresa turca 2E Denizcilik San, por 3,9 milhões de liras turcas (R$ 1,52 milhão em valores atuais). A ação judicial diz que o navio, então parado em Mogadíscio, capital somali, estava em bom estado de conservação e funcionava perfeitamente, embora houvesse no casco sinais do suposto ataque pirata. Também citava a existência de um seguro de US$ 2 milhões (R$ 10,5 milhões em valores atuais).

A serviço do terror

São muitas as evidências sugerindo que a IHH, antiga dona do Anatolian, forneceu apoio logístico a grupos jihadistas. Primeiro, uma investigação policial, em 2014, apontou que a entidade havia contrabandeado armas e mais suprimentos para jihadistas afiliados à Al-Qaeda na Síria, com a ajuda de Hakan Fidan, importante figura da inteligência turca e aliado do presidente Recep Erdogan.

Temendo que o escândalo respingasse em seu governo, o então primeiro-ministro Erdogan atuou para dar fim à investigação, com a demissão e posterior prisão de todos os responsáveis pela descoberta da relação entre a IHH e os extremistas.

Durante uma audiência judicial em 16 de agosto de 2016, Ali Fuat Yılmazer, ex-chefe da seção de inteligência policial especializada em grupos religiosos radicais, disse ter apresentado pessoalmente evidências a Erdogan. Ele afirmou que “as campanhas [humanitárias] da IHH são projetadas para fornecer ajuda a jihadistas envolvidos em terrorismo em todo o mundo e fornecer assistência médica, financiamento, logística e recursos humanos para jihadistas”.

Já a relação entre a IHH e o EI foi comprovada em outro processo. Uma turca chamada Merve Dundar, esposa do terrorista Mahmut Gazi Dundar, confirmou que a entidade distribuía suprimentos em regiões controladas pelo grupo extremista. “Estávamos morando em território do EI e meu marido não estava trabalhando na Síria. Estávamos distribuindo suprimentos [fornecidos pelo IHH] aos necessitados ”, disse ela ao tribunal em 10 de junho de 2021.

Em 2016, Vitaly Churkin, então representante permanente da Rússia na ONU, revelou documentos da inteligência russa que incluíam até as placas dos caminhões despachados pela IHH para a Síria, com armas e outros suprimentos destinados a extremistas.

A entidade humanitária de fachada também teria enviado armamento a grupos islâmicos na Líbia, usando um navios supostamente destinados a entregar ajuda humanitária. Os problemas encontrados pelo navio durante o processo de entrega foram resolvidos por diplomatas turcos no país africano.

Por que isso importa?

O Al-Shabbab chegou a controlar a capital Mogadíscio até 2011, quando foi expulso de lá pelas forças da União Africana. Atualmente, controla territórios nas áreas rurais da Somália e luta para derrubar o governo nacional.

O grupo concentra seus ataques no sul e no centro do país. As atividades envolvem ataques a órgãos e oficiais do governo e a entidades de ajuda humanitária, além de extorsão contra a população local e proteção de terroristas internacionais que se escondem no país.

Dados apontam que os extremistas estiveram em mais de 400 episódios violentos no país entre julho e setembro do ano passado – o maior número desde 2018.

O confronto, porém, atualmente pende para o lado do exército. O objetivo dos militares é reconquistar territórios vitais para a economia do país, numa ofensiva comandada pelo general Odowaa Yusuf Rageh. Em determinadas missões, ele faz questão de liderar pessoalmente os militares. 

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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