Síria pós-Assad acolhe combatentes uigures e preocupa China

Para Beijing, integração de ex-militantes da minoria étnica às forças sírias pode estimular novas ameaças terroristas

Beijing apoiou o líder mão-de-ferro Bashar al-Assad por mais de uma década, alegando defesa da soberania e combate ao terrorismo. Com a queda do regime no fim de 2024, a China perdeu um aliado estratégico em Damasco e se vê agora diante de um cenário que considera alarmante: a incorporação de milhares de combatentes uigures ao exército sírio. As informações são do The Diplomat.

Durante anos, Beijing justificou suas políticas de repressão em Xinjiang com base na ameaça do Partido Islâmico do Turquestão (TIP, da sigla em inglês), grupo uigur que enviou militantes para lutar na Síria desde 2012. Hoje, muitos desses combatentes, antes associados à jihad contra a China, ocupam postos oficiais no novo governo interino sírio. Alguns chegaram a ser promovidos a coronel e general de brigada.

Estimativas apontam que cerca de 15 mil uigures, entre militantes e familiares, vivem na Síria, concentrados na província de Idlib. Em 2025, aproximadamente 3.500 deles foram formalmente integrados à 84ª Divisão do exército sírio, levando o TIP a anunciar sua dissolução.

Soldado do Exército Sírio Livre caminhando entre os escombros em Aleppo (Foto: WikiCommons)

A decisão foi elogiada por Washington como um passo para a estabilização do país, mas vista por Beijing como traição. Para as autoridades chinesas, legitimar militantes que antes eram classificados como terroristas pelo Conselho de Segurança da ONU, União Europeia (UE) e Estados Unidos representa risco de encorajar novas insurgências.

A preocupação da China vai além de Xinjiang. A Iniciativa Nova Rota da Seda cruza regiões instáveis da Ásia Central e do Oriente Médio, onde cidadãos e projetos chineses já foram alvo de ataques. Em 2015, o Estado Islâmico (EI) chegou a executar um refém chinês na Síria.

Segundo analistas ouvidos pelo The Diplomat, a estratégia de Beijing hoje é essencialmente defensiva: manter pressão diplomática sobre Damasco, coordenar-se com Moscou e usar seu peso nas Nações Unidas para limitar o protagonismo dos militantes uigures.

O impasse, no entanto, expõe uma contradição. A China se apresenta como potência central no combate ao terrorismo, mas precisa lidar com um aliado que institucionalizou os mesmos jihadistas que dizia combater. Para especialistas, o destino dos uigures na Síria se tornou um teste crucial da credibilidade de Beijing como potência global em ascensão.

Nos últimos anos, o interesse global em resolver a crise na Síria diminuiu drasticamente. Em Washington, sugestões de ações no país geravam reações de desânimo e ceticismo, refletindo a falta de prioridade para o país. No entanto, a situação no país do Oriente Médio continuou a se deteriorar: houve ressurgimento do Estado Islâmico (EI), um comércio de drogas significativo vinculado ao regime, e tensões geopolíticas entre várias potências, incluindo IsraelIrãTurquiaRússia e os Estados Unidos.

Por que isso importa?

Os uigures são uma minoria muçulmana de raízes turcas que sofre perseguição do governo chinês, com acusações de abusos diversos. Eles vivem sobretudo na província de Xinjiang, que faz fronteira com países da Ásia Central e com eles divide raízes linguísticas e étnicas.

Os de 11 milhões de uigures enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.

Em agosto de 2022, a ONU divulgou um aguardado relatório que fala em “graves violações dos direitos humanos” cometidas em Xinjiang. O documento destaca “padrões de tortura ou maus-tratos, incluindo tratamento médico forçado e condições adversas de detenção”, bem como “alegações de incidentes individuais de violência sexual e de gênero”.

O relatório, porém, não citou a palavra “genocídio” usada por alguns países ocidentais. O governo do presidente Joe Biden, dos EUA, foi o primeiro a usar o termo para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e a Lituânia se juntou ao grupo mais recentemente.

A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país. Beijing costuma classificar as denúncias como “a mentira do século”.

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