África do Sul prepara mudança na lei para se livrar da obrigação de prender Putin

País prepara juridicamente o terreno para receber o presidente da Rússia na cúpula do BRICS, que contará ainda com Brasil, China e Índia

Em março deste ano, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu um mandado de prisão contra Vladimir Putin, acusado de crimes de guerra pela deportação e transferência ilegais de crianças ucranianas para a Rússia. A África do Sul, membro da corte, tem por lei a obrigação de prender o líder russo caso ele entre no país. Para se livrar de tal fardo, o país prepara uma mudança em sua legislação, de forma a viabilizar a presença do presidente em uma cúpula do BRICS que terá ainda Brasil, China e Índia. As informações são da rede BBC.

De acordo com Obed Bapela, vice-ministro de Governança Cooperativa e Assuntos Tradicionais da África do Sul, a mudança na lei daria ao governo o poder de decidir quem deve ou não prender. O projeto será apresentado ao parlamento em junho, a tempo de ser aprovado para a cúpula que ocorre em agosto.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em outubro de 2020 (Foto: Wikimedia Commons)

Pretória tenta manter uma posição de neutralidade na guerra da Ucrânia e não condenou publicamente a invasão russa. Com vistas ao evento de agosto, prometeu imunidade aos integrantes da comitiva russa que comparecerem. A situação de Putin, entretanto, é mais delicada.

O principal partido de oposição da África do Sul, a Aliança Democrática (DA, na sigla em inglês), entrou com um pedido judicial para que as autoridades locais sejam obrigadas a prender Putin caso ele visite o país. A fim de evitar tal fardo, o governo não apenas planeja mudar a lei local, mas também cogita deixar o TPI.

Segundo Bapela, a corte internacional tem um histórico de omissão. “Nunca pensamos que o TPI que temos hoje seria o que é. Eles nunca indiciaram Tony Blair, nunca indiciaram [George W] Bush por seus assassinatos de pessoas no Iraque“, disse o vice-ministro, citando os ex-líderes de Reino Unido e EUA que estavam no poder quando da invasão do país árabe em 2003.

Ele citou inclusive o ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, que, segundo Bapela, teria se decepcionado com o TPI caso estivesse vivo. “Mandela teria dito [que] a desigualdade, a inconsistência do TPI, é um problema”, afirmou o político.

O mandado de prisão

Como a Rússia não é membro do TPI, não tem qualquer comprometimento legal com a detenção de Putin. Por ora, o único efeito do mandado de prisão emitido em março é limitar a liberdade de movimento do líder russo, justamente pelo risco de ser detido caso viaje para o exterior.

“Se o Putin sair da Rússia, pode haver uma cooperação jurídica internacional para entregá-lo ao TPI”, disse à reportagem de A Referência Carolina Piccolotto Galib, doutoranda em Direito pela PUC-SP e professora de Direito Internacional da PUC-Campinas.

Essa situação engloba inclusive o Brasil, que, assim como a África do Sul, também é membro do TPI. “Ele (Putin) passa a ter um mandado de prisão obrigatório para qualquer país em que pise e seja membro do TPI. Isso coloca os países na berlinda”, afirmou Flávio de Leão Bastos Pereira, professor de Direitos Humanos e Direito Constitucional na Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Do ponto de vista político, a situação aperta para o Putin se ele for se movimentar pelo mundo.”

O advogado Iure Pontes Vieira, especialista em Direito Internacional, reforça essa situação, dizendo que os mecanismos internacionais disponíveis colocariam um país como o Brasil sob pressão para prender Putin caso ele viesse a pisar em seu território.

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