Al-Qaeda prega o assassinato de popular apresentador de televisão egípcio

Crítico feroz do extremismo islâmico, Ibrahim Eissa recentemente questionou o papel histórico de um general de Maomé

A Al-Qaeda, através de seu braço oficial de mídia As-Sahab, pregou o assassinato de Ibrahim Eissa, um popular apresentador de televisão do Egito e forte opositor do extremismo islâmico. As informações são do think tank Memri.

A publicação do grupo terroristas tem 16 páginas e é assinada por um clérigo identificado como Abu Awwab Al-Hasani. Ele cita como justificativa um programa chamado Debatable, exibido em uma rede via satélite financiada pelo governo dos EUA, a Alhurra.

Num episódio do Debatable de fevereiro deste ano, Eissa questiona o papel histórico de Khalid bin Al-Walid, um dos generais mais importantes de Maomé e responsável por muitas das conquistas inicias do Islã. O título do programa faz a pergunta: “comandante ou assassino?”.

Os participantes debatem no programa se o general era mesmo muçulmano ou se apenas se converteu ao Islã por interesse, a fim de manter “sua autoridade política e militar”. Al-Hasani, então, destaca que Eissa e os convidados acusaram Al-Walid de “crimes de guerra” e, sarcasticamente, propõe que o general seja “julgado à revelia em Haia” por suas “graves violações dos direitos humanos”.

Por isso, o As-Sahab chama Eisa de “pecador mentiroso” e diz que ele “ridiculariza” os heróis islâmicos. Diz, ainda, que Al-Walid foi um dos melhores companheiros de Maomé e um dos maiores muçulmanos que já existiram. Também acusa a Alhurra de ser cúmplice na trama anti-islâmica dos EUA.

Ibrahim Essa, popular apresentador de televisão do Egito (Foto: Facebook)

Em março deste ano, um grupo associado ao Estado Islâmico (EI) havia igualmente defendido que muçulmanos egípcios decapitassem Eissa, chamado de “herético ateu” que “prejudicou Alá e o Profeta”.

Um dos principais alvos de Eissa é a Irmandade Muçulmana, organização radical que surgiu em 1928, no Egito, e que prega os valores estritos do Corão, rejeitando qualquer influência ocidental. Segundo ele, o grupo controla todas as entidades muçulmanas da Europa e leva o Ocidente a acreditar que o Islamismo se resume ao radicalismo.

Em um programa de setembro do ano passado, ele comparou a Irmandade ao Taleban e disse que o grupo imporia o mesmo regime do Afeganistão se estivesse no poder. Eissa sustentou que as crianças deveriam aprender que a ciência e a criatividade são expressões de realização, não a jihad.

Por que isso importa?

Embora as ações antiterrorismo globais tenham enfraquecido os dois principais grupos jihadistas do mundo, Estado Islâmico (EI) e Al-Qaeda, ambos conseguem se manter relevantes e atuantes. A estratégia dessas duas organizações inclui o recrutamento de novos seguidores através da internet e a forte presença em zonas de conflito como a África, onde são representadas por grupos afiliados regionais. O Afeganistão, agora sob o comando do Taleban, também é um porto seguro para muitos jihadistas.

Na África Ocidental, em particular, a violência das organizações jihadistas tem aumentado. Nos últimos três anos, foram registrados mais de 5,3 mil ataques terroristas, com a morte de cerca de 16 mil pessoas. A informação foi divulgada no início de maio deste ano pelo ministro da Defesa de Gana, Dominic Nitiwul, durante reunião de representantes dos países da região.

O continente africano ganhou importância em meio às derrotas impostas às grandes organizações jihadistas em outras regiões, caso do Oriente Médio. Em 2017, o exército iraquiano anunciou a derrota do EI no Iraque, com a retomada de todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. O EI, que chegou a controlar um terço do país, hoje mantém por lá apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas do grupo na Síria.

Em janeiro deste ano, o exército norte-americano impôs nova derrota ao EI com o anúncio da morte de Amir Muhammad Sa’id Abdal-Rahman al-Mawla, principal líder da facção. Ele morreu durante uma operação antiterrorismo na Síria, em mais um duro golpe contra o grupo, que em 2019 havia perdido o líder anterior, Abu Bakr al-Baghdadi.

No caso da Al-Qaeda, que igualmente mantém facções relevantes na África, a sobrevivência do grupo pode ser explicada também pela tomada de poder pelo Taleban no Afeganistão. “As avaliações dos Estados-Membros até agora sugerem que a Al-Qaeda tem um porto seguro sob o Taleban e maior liberdade de ação”, diz relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado no final de maio.

“A Al-Qaeda permanece no sul e leste do Afeganistão, onde tem uma presença histórica”, diz o relatório. “O grupo supostamente tem de 180 a 400 combatentes, com as estimativas dos Estados-Membros inclinando-se para o número mais baixo”, prossegue o documento, que cita cidadãos de Bangladesh, Índia, Mianmar e Paquistão como sendo integrantes da facção.

O documento destaca, ainda, que “a Al-Qaeda usou a ascensão do Taleban para atrair novos recrutas e financiamento e inspirar os afiliados da Al-Qaeda globalmente”. E que o atual líder da organização, Ayman al-Zawahri, que foi o braço direito do famoso terrorista Osama Bin Laden, continua a viver no Afeganistão, bem como seus comandantes mais próximos.

Anteriormente, a ONU já havia lembrado que a Al-Qaeda chegou a parabenizar publicamente os talibãs pela ascensão ao poder. E alegou que um filho de Bin Laden, Abdallah, visitou o Afeganistão em outubro de 2021 para reuniões com o Taleban.

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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