Ataque terrorista durante o Ano Novo deixou ao menos 15 mortos na Nigéria

Violência ocorreu na mesma região onde o Boko Haram, em 2014, chocou o mundo ao sequestrar 276 meninas de um internato local

Uma ação de extremistas islâmicos matou ao menos 15 pessoas durante a virada de ano nas proximidades da cidade de Chibok, no nordeste da Nigéria. Embora o ataque tenha ocorrido na manhã de segunda-feira (1º), pelo horário local, foi revelado somente na quarta-feira (3), de acordo com o site The Defense Post.

Os jihadistas, cuja afiliação não foi confirmada em um primeiro momento, usaram caminhões com metralhadoras nas caçambas e motocicletas para invadirem duas aldeias. Eles assassinaram moradores, queimaram casas e estabelecimentos comerciais e saquearam alimentos, segundo depoimentos de sobreviventes.

A área atacada tem forte presença dos dois principais grupos extremistas ativos na Nigéria, Boko Haram e ISWAP (Estado Islâmico da África Ocidental). Entretanto, não está claro se os invasores são vinculados a uma dessas duas facções.

O número de mortos foi citado por Manasseh Allen, funcionário estatal que chefia a Associação de Desenvolvimento da Área de Chibok. “Eles (jihadistas) mataram 12 pessoas em Gatamarwa e outras três em Tsiha”, disse ele, citando as duas aldeias invadidas.

De acordo com um morador, além das mortes, dos saques e dos incêndios, os extremistas teriam raptado uma jovem em Tsiha. Foi na mesma região que o Boko Haram, em 14 de abril de 2014, raptou 276 meninas de um internato local, caso que ganhou as manchetes mundiais e tornou o grupo conhecido.

Boko Haram x ISWAP

O Boko Haram, ligado à Al-Qaeda, luta para criar um califado islâmico no nordeste nigeriano, e a violência na região já se espalhou para países vizinhos como CamarõesChadeNíger e Benin. Ultimamente, porém, o grupo passou a colecionar derrotas, e em junho de 2021 confirmou a morte de Abubakar Shekau, seu notório ex-comandante.

Shekau morreu no dia 19 de maio, em um confronto com jihadistas do ISWAP na floresta de Sambisa. “Shekau detonou uma bomba e se matou”, disse um militar nigeriano à época, em áudio ouvido pelo “Wall Street Journal”.

Formado por dissidentes do Boko Haram, o ISWAP se afastou de Shekau em 2016 e passou a se concentrar em alvos militares e ataques de alto perfil, inclusive trabalhadores humanitários.

Militantes do ISWAP em março de 2021: forte presença na Nigéria (Foto: Reprodução/Sahara Reporters)
Por que isso importa?

Embora as ações antiterrorismo globais tenham enfraquecido os dois principais grupos jihadistas do mundo, Estado Islâmico (EI) e Al-Qaeda, ambos conseguem se manter relevantes e atuantes. A estratégia dessas duas organizações inclui o recrutamento de novos seguidores através da internet e a forte presença em zonas de conflito como a África, onde são representadas por grupos afiliados regionais. O Afeganistão, agora sob o comando do Taleban, também é um porto seguro para muitos jihadistas.

O continente africano ganhou importância em meio às derrotas impostas às grandes organizações jihadistas em outras regiões, caso do Oriente Médio. Em 2017, o exército iraquiano anunciou a derrota do EI no Iraque, com a retomada de todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. O EI, que chegou a controlar um terço do país, hoje mantém por lá apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas do grupo na Síria.

Em fevereiro do ano passado, o EI sofreu um duro golpe quando o exército norte-americano anunciou ter matado Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi, líder da facção. Em outubro, o próprio grupo revelou que Abu al-Hassan al-Hashimi al-Qurashi, sucessor de Abu Ibrahim, também foi morto. Um terceiro líder do grupo, Abu al-Hussein al-Husseini al-Qurashi, foi morto em abril de 2023.

No caso da Al-Qaeda, que igualmente mantém facções relevantes na África, a sobrevivência do grupo pode ser explicada também pela tomada de poder pelo Taleban no Afeganistão. “As avaliações dos Estados-Membros até agora sugerem que a Al-Qaeda tem um porto seguro sob o Taleban e maior liberdade de ação”, diz relatório da ONU divulgado no final de maio do ano passado.

“A Al-Qaeda permanece no sul e leste do Afeganistão, onde tem uma presença histórica”, diz o relatório. “O grupo supostamente tem de 180 a 400 combatentes, com as estimativas dos Estados-Membros inclinando-se para o número mais baixo”, prossegue o documento, que cita cidadãos de Bangladesh, Índia, Mianmar e Paquistão como sendo integrantes da facção.

O ex-líder da organização Ayman al-Zawahri, inclusive, foi morto em território afegão em um ataque das forças armadas dos EUA no dia 1º de agosto de 2022.

Anteriormente, a ONU já havia lembrado que a Al-Qaeda chegou a parabenizar publicamente os talibãs pela ascensão ao poder. E alegou que um filho de Bin Laden, Abdallah, visitou o Afeganistão em outubro de 2021 para reuniões com o Taleban.

Terrorismo no Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas e é, também, um possível alvo de ataques. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao EI foram presos e dois fugiram.

Mais tarde, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles foram acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

A ameaça voltou a ser evidenciada com a prisão, em outubro de 2023, de três indivíduos supostamente ligados ao Hezbollah que operavam no Brasil. Eles atuavam com a divulgação de propaganda do grupo extremista e planejavam atentados contra entidades judaicas.

Para o tenente-coronel do exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), tais episódios causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras).

A opinião é compartilhada por Barbara Krysttal, gestora de políticas públicas e analista de inteligência antiterrorismo.

“O Brasil recorrentemente, nos últimos dez, cinco anos, tem tido um aumento significativo de grupos terroristas assediando jovens e cooptando adultos jovens para fazer parte de ações terroristas no mundo todo”, disse ela, que também vê o país sob ameaça de atentados. “Sim, é um polo que tem possibilidade de ser alvo de ações terroristas.”

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