Governo relata a morte de mais de cem pessoas após ataque de rebeldes no Mali

Ataque ocorreu na madrugada de sábado para domingo e foi atribuído ao grupo armado Katiba Macina, ligado à Al-Qaeda

Ao menos 132 pessoas teriam sido mortas por rebeldes armados no final de semana na região central do Mali. De acordo com o governo, que denunciou as mortes, rebeldes armados atacaram três vilas na comuna de Bankass, região de Mopti, na madrugada de sábado (18) para domingo (19). As informações são da agência Al Jazeera.

Na segunda-feira (20), o governo maliano emitiu um comunicado atribuindo o ataque ao grupo armado Katiba Macina, facção do Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos (GSIM, na sigla em francês), que por sua vez é um braço da Al-Qaeda. A organização extremista, entretanto, não reivindicou a ação através de seus canais habituais.

“Registramos ataques de homens armados contra três aldeias: Dialassogou, Segue e Lesago. Os investigadores estão no local para descobrir exatamente o que aconteceu”, disse à agência Associated Press Moulaye Guindo, prefeito de Bankass, a maior cidade perto das aldeias atacadas.

Assimi Goita, coronel que governa o Mali (Foto: reprodução/twitter.com/PresidenceMali)

A recente escalada da violência no Mali vitimou, no início deste mês, um soldado jordaniano da Minusma (Missão da ONU no Mali) e dois trabalhadores a serviço da Cruz Vermelha. No último final de semana, outro militar das forças de paz da ONU, desta vez um guineense, foi morto por um dispositivo explosivo improvisado (IED, na sigla em inglês) que detonou durante uma operação de detecção de minas.

Através do Twitter, a Minusma se manifestou sobre a tensão instalada no país africano. “A @UN_MINUSMA condena os ataques contra populações civis no centro de #Mali e na região de Gao. Mais de cem civis foram mortos. Esses atos hediondos constituem graves violações do direito internacional dos direitos humanos”, disse o órgão.

Após a morte do militar guineense, o representante especial da ONU para o Mali e chefe da Minusma, El-Ghassim Wane, lembrou que, desde o início do ano, vários ataques envolvendo IEDs foram registrados contra funcionários uniformizados da missão de paz, matando vários soldados da paz e ferindo outros.

“Este último incidente ilustra, mais uma vez, a complexidade do ambiente em que a missão opera e dos desafios de segurança que enfrenta diariamente”, disse Wane. “Saúdo o compromisso de nossas equipes de descarte de explosivos que colocam suas vidas em risco para preservar as de seus colegas e da população civil. O papel deles é crucial para a condução de nossas operações”.

Por que isso importa?

O Mali vive um período de instabilidade política que começou com o golpe de Estado em 2012, que permitiu a vários grupos rebeldes e extremistas tomar o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.

A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos salários dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.

Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem o militar na formação do novo governo.

Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população malinesa rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.

Militarmente, especialistas e políticos ocidentais enxergam uma geopolítica delicada no país, devido ao aumento constante da influência de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico (EI) e à consequente explosão da violência nos confrontos entre extremistas e militares. Além disso, trata-se de uma posição importante para traficantes de armas e pessoas, e o processo em curso de redução das tropas franceses, que atuam no país desde 2013, tende a piorar a situação.

Os conflitos, antes concentrados no norte do país, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. A região central do Mali se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra forças do governo.

Colabora para piorar a situação a ruptura entre o governo maliano e seu principal parceiro ocidental para gestão da segurança, a França. Desde o ano passado, as forças armadas francesas iniciaram um processo de retirada de tropas, o que gerou dúvidas quanto à capacidade de o Mali sustentar os avanços na luta contra o jihadismo.

Uma das razões para a retirada francesa foi o acordo com os mercenários do Wagner Group firmado pelo coronel Assimi Goita, que assumiu o poder no golpe de Estado de maio de 2021. Paris e as demais nações ocidentais contestam a parceria e acusam a organização russa, supostamente ligada ao Kremlin, de cometer crimes de guerra em conflitos nos quais esteve envolvida em todo o mundo.

Fontes sustentam que o pagamento pelos serviços da organização seria de US$ 10,8 milhões por mês, dinheiro que vem da extração de minerais, acreditam especialistas. O governo do Mali, entretanto, alega que os russos são apenas instrutores e “não estão em funções de combate”.

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