A escalada da violência no Mali, que na última quarta-feira (1º) vitimou um soldado jordaniano da Minusma (Missão da ONU no Mali), também levou à morte dois trabalhadores a serviço da Cruz Vermelha. As informações foram divulgadas pela própria entidade e reproduzidas pela rede Al Arabiya News.
As vítimas são um funcionário senegalês da Cruz Vermelha da Holanda e um motorista maliano que prestava serviços à entidade no país africano. Eles estavam em um carro, devidamente sinalizado com emblema da agência, que foi alvejado por homens armados pilotando motocicletas.
“Estamos chocados e tristes com a morte de nossos dois colegas da Cruz Vermelha do Mali e de Rode Kruis, que foram mortos ontem, durante um ataque de homens armados na região de Kayes, no Mali. Estendemos nossas mais sinceras condolências às suas famílias, colegas e amigos”, disse entidade em sua página no Facebook.
O carro que transportava a equipe viajava entre as cidades de Koussane e Kayes quando foi atacado. Além das duas vítimas fatais, outras duas pessoas estavam a bordo e sobreviveram. São um contador e um coordenador de projetos da Cruz Vermelha. Tanto o veículo quanto os equipamentos que ele transportava foram roubados.
De acordo com Nouhoum Maiga, secretário-geral da Cruz Vermelha do Mali, os homens armados que atacaram o veículo provavelmente eram ladrões, não terroristas. “Não é a Cruz Vermelha que foi alvo”, disse ele, acrescentando que a organização já havia sofrido roubos e sequestros de carros.

Por que isso importa?
O Mali vive um período de instabilidade política que começou com o golpe de Estado em 2012, que permitiu a vários grupos rebeldes e extremistas tomar o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.
A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos salários dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.
Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem o militar na formação do novo governo.
Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população malinesa rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.
Militarmente, especialistas e políticos ocidentais enxergam uma geopolítica delicada no país, devido ao aumento constante da influência de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico (EI) e à consequente explosão da violência nos confrontos entre extremistas e militares. Além disso, trata-se de uma posição importante para traficantes de armas e pessoas, e o processo em curso de redução das tropas franceses, que atuam no país desde 2013, tende a piorar a situação.
Os conflitos, antes concentrados no norte do país, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. A região central do Mali se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra forças do governo.
Colabora para piorar a situação a ruptura entre o governo maliano e seu principal parceiro ocidental para gestão da segurança, a França. Desde o ano passado, as forças armadas francesas iniciaram um processo de retirada de tropas, o que gerou dúvidas quanto à capacidade de o Mali sustentar os avanços na luta contra o jihadismo.
Uma das razões para a retirada francesa foi o acordo com os mercenários do Wagner Group firmado pelo coronel Assimi Goita, que assumiu o poder no golpe de Estado de maio de 2021. Paris e as demais nações ocidentais contestam a parceria e acusam a organização russa, supostamente ligada ao Kremlin, de cometer crimes de guerra em conflitos nos quais esteve envolvida em todo o mundo.
Fontes sustentam que o pagamento pelos serviços da organização seria de US$ 10,8 milhões por mês, dinheiro que vem da extração de minerais, acreditam especialistas. O governo do Mali, entretanto, alega que os russos são apenas instrutores e “não estão em funções de combate”.