Grupo aliado ao Exército do Sudão cometeu massacre em vilarejo, denuncia ONG

Sudan Shield Forces é suspeito de atacar civis em Tayba, matando 26 pessoas em episódio que configuraria crime de guerra

Um grupo armado aliado às Forças Armadas Sudanesas (SAF) atacou a vila de Tayba, no estado de Gezira, matando pelo menos 26 civis, incluindo uma criança, além de ferir diversas pessoas, denunciou a ONG Human Rights Watch (HRW). A ação, ocorrida em 10 de janeiro, incluiu saques, incêndios a residências e execuções, configurando possíveis crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

De acordo com a organização internacional, o ataque foi conduzido pelo Sudan Shield Forces, um grupo paramilitar liderado por Abu Aqla Keikel, que tem alternado alianças no conflito sudanês. Keikel criou o grupo em 2022 e, inicialmente, lutou ao lado das SAF contra as Forças de Apoio Rápido (RSF). Após um período de deserção para a RSF, ele voltou a se alinhar ao Exército em outubro de 2024.

Comboio com membros da Sudan Shield Forces (Foto: Canal do Telegram Sudanshield0/Reprodução)
Ataque brutal

Segundo testemunhas, combatentes do Sudan Shield chegaram à vila em caminhonetes equipadas com metralhadoras pesadas e dispararam indiscriminadamente contra homens e jovens. Durante o ataque, casas foram incendiadas, pertences foram saqueados e moradores foram mortos a sangue frio.

Um sobrevivente de 60 anos relatou ter sido atingido à queima-roupa enquanto tentava escapar. Outro morador afirmou que ouviu insultos raciais proferidos pelos atacantes, reforçando a motivação étnica por trás da violência. Mulheres relataram que foram ameaçadas, enquanto os homens eram caçados dentro das casas.

A ofensiva ocorreu em meio a uma onda de ataques de grupos alinhados às SAF contra comunidades vistas como simpatizantes da RSF. A capital de Gezira, Wad Madani, foi retomada pelo Exército no dia seguinte ao massacre, marcando uma nova fase do conflito.

Resposta das autoridades

Pesquisadores da HRW entrevistaram sobreviventes, analisaram imagens de satélite e verificaram vídeos que confirmam a brutalidade do ataque. Imagens compartilhadas nas redes sociais também mostraram combatentes aliados às SAF torturando e executando civis desarmados em Wad Madani.

Diante das denúncias, as Forças Armadas Sudanesas classificaram os abusos como “transgressões individuais” e prometeram punir os responsáveis. No entanto, líderes militares, incluindo o general Yasir al-Atta, foram vistos publicamente ao lado de Keikel, sugerindo que o Sudan Shield continua atuando com apoio do alto comando militar.

Crise humanitária

O massacre de Tayba ocorre em um contexto de escalada da violência no Sudão, onde civis são alvos de represálias constantes. Além disso, assassinatos de sul-sudaneses por forças alinhadas às SAF geraram retaliações contra sudaneses no Sudão do Sul, aprofundando a crise humanitária na região.

Diante das evidências de crimes de guerra, a HRW pede que a comunidade internacional, incluindo Estados Unidos, União Europeia (UE) e Reino Unido, adote sanções contra os responsáveis, especialmente Abu Aqla Keikel.

“Há provas concretas de que forças ligadas às SAF cometeram assassinatos e atrocidades contra civis”, afirmou Jean-Baptiste Gallopin, pesquisador da HRW. “É fundamental que medidas urgentes sejam tomadas para proteger a população e garantir que os responsáveis sejam levados à justiça.”

Por que isso importa?

O Sudão vive um violento conflito civil que coloca frente a frente dois generais que comandam o país africano desde o golpe de Estado de 2021: Abdel Fattah al-Burhan, chefe das SAF, e Mohamed Hamdan “Hemedti” Daglo, à frente da milícia das RSF.

As tensões decorrem de divergências sobre a incorporação dos combatentes das RSF às Forças Armadas, o que levou a milícia a se insurgir. Hemedti tem entre 70 mil e cem mil homens sob seu comando, de acordo com a rede Deutsche Welle (DW), enquanto al-Burhan lidera um efetivo de cerca de 200 mil.

Embora as SAF sejam mais bem equipadas e em maior número, as RSF são igualmente bem treinadas, o que equilibra as ações. O balanço de forças apenas prolonga as hostilidades e a violência decorrente, com nenhum dos dois lados conseguindo se impor sobre o inimigo.

Desde que o conflito se espalhou, primeiro pela capital, depois por outras regiões, cerca de dez milhões de pessoas foram deslocadas dentro do país, com mais de dois milhões forçadas a cruzar as fronteiras para o exterior. A crise maciça deixou 25 milhões de pessoas necessitando de ajuda humanitária e proteção.

A terrível situação é agravada por uma grave escassez de suprimentos essenciais, já que as entregas de produtos comerciais e de ajuda humanitária foram fortemente restringidas pelos combates e pelos desafios de acesso ao território controlado pelas RSF.

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