Guerra na África envolvendo potências é uma possibilidade real após golpe, projetam analistas

Eventual interferência da CEDEAO no Níger a colocaria em rota de colisão com Mali e Burkina Faso, que por sua vezes contam com apoio da Rússia

Os desdobramentos do recente golpe de Estado no Níger podem ser sentidos muito além das fronteiras do país. Analistas ouvidos pela revista Newsweek alertam para o fato de que a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) rejeita a tomada de poder, e uma eventual intervenção armada do bloco levaria a um confronto com Mali e Burkina Faso. Nesse caso, as ramificações alcançariam a Rússia e as nações ocidentais, levando a uma guerra.

Bola Tinubu, presidente da Nigéria e da CEDEAO, já se manifestou contra o golpe e parece disposto a agir para desfazer a tomada de poder pelo general Abdourahamane Tchiani, que derrubou o presidente eleito democraticamente Mohamed Bazoum.

Segundo Ibrahim Maiga, conselheiro sênior do Projeto Sahel do think tank International Crisis Group, Tinubu tem “mostrado firmeza” em sua determinação de derrubar Tchiani. E o líder nigeriano é conhecido por não recuar em suas convicções.

“Acho que não devemos subestimar a determinação da CEDEAO de ver este golpe fracassar no Níger”, disse o analista. “Portanto, não devemos subestimar sua disposição de ir tão longe, incluindo o uso de intervenção militar.”

Mohamed Bazoum, presidente deposto do Níger (Foto: twitter.com/PresidenceNiger)

É aí que entram Mali e Burkina Faso, que também passaram por golpes recentes, são governados por juntas militares e manifestaram apoio ao golpe no Níger. Em comunicado conjunto transmitido por emissoras estatais, malineses e burquinense alertaram que qualquer intervenção em território nigerino seria considerada “uma declaração de guerra” também contra esses dois países.

Na opinião de Maiga, Mali e Burkina Faso dificilmente fariam frente às forças da CEDEAO se esta enviasse suas tropas ao Níger. Mas tal hipótese não pode ser descartada, pois os líderes desses países enxergariam uma eventual ação militar do bloco como uma ameaça à sobrevivência de seus próprios regimes.

A CEDEAO, por sua vez, também vive um dilema que pode forçá-la a agir militarmente. Se a tomada de poder no Níger for bem-sucedida, outras podem ocorrer na África, uma sucessão de golpes de Estado que de certa forma já está em curso e se alastraria ainda mais.

A Rússia e o Ocidente

Um choque entre a CEDEAO e os governos militares africanos arrastaria para o confronto em primeiro lugar a Rússia, que através do Wagner Group firmou parceiras com Mali e Burkina Faso no setor de segurança. No Níger, por outro lado, é forte a presença de soldados da França, que ao menos por enquanto mantém com o governo local uma parceria para combater o terrorismo.

Paris não vê com bons olhos o novo golpe, pois as tomadas de poder nos outros dois países já levaram à expulsão de suas tropas, substituídas justamente pelos mercenários russos.

A bipolarização Rússia x França já é realidade no Níger. Após o golpe, milhares de apoiadores da junta que assumiu o poder foram às ruas com bandeiras russas, manifestando oposição aos antigos colonizadores franceses.

J. Peter Pham, que entre 2018 e 2020 serviu como enviado especial dos EUA aos Grandes Lagos africanos, diz que a população africana vem sendo manipulada para escolher um lado na disputa entre Moscou e o Ocidente. Por trás disso está a luta contra o extremismo, justamente o que levou os regimes militares a trocarem o exército francês pelos mercenários russos.

“O desafio para os governos é que, após décadas de falta de resultado, a paciência dos cidadãos se esgotou. E muitos, manipulados por campanhas de desinformação que exploram queixas legítimas, estão dispostos a abraçar a miragem de uma solução rápida”, disse Pham.

Como a França, os EUA também mantêm no Níger um contingente militar, com cerca de mil soldados destacados para combater o terrorismo. Por ora, as forças armadas norte-americanas, através de seu Comando na África (Africom), mantêm a diplomacia ao analisarem a situação.

“O Africom continua monitorando a situação no Níger e as declarações feitas por funcionários, incluindo declarações da CEDEAO e dos países vizinhos”, disse a entidade em comunicado.

Diante de tal cenário, Ovigwe Eguegu, analista do think tank chinês Development Reimagined, diz que “intervir nunca foi tão arriscado”, destacando todos os desdobramentos possíveis de uma ação militar da CEDEAO.

“Significa que isso não é mais intervenção”, afirmou Eguegu. “No momento em que as tropas da Nigéria ou do Chade cruzam para o Níger, teremos uma guerra na África Ocidental. Não são grupos militantes, são países com exércitos permanentes, exércitos convencionais. Então, será uma guerra convencional.”

Colin P. Clarke, diretor de pesquisa da consultoria global de inteligência e segurança The Soufan Group, é claro ao projetar a amplitude do eventual conflito. “Isto poderia assumir as dimensões de uma guerra regional por procuração, com os países ocidentais apoiando a CEDEAO, e a Rússia apoiando o Níger. E Burkina Faso e Mali, se eles se juntassem, com a força do Wagner Group.”

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