Jornalista francês feito refém no Mali há dois anos é libertado

Olivier Dubois, detido por 711 dias por um grupo armado afiliado à Al-Qaeda na região do Sahel, foi solto nesta segunda-feira

O jornalista francês Olivier Dubois, raptado no Mali em 8 de abril de 2021 pelo Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos (GSIM, na sigla em francês), ligado à Al-Qaeda, foi libertado nesta segunda-feira (20) e levado para o país vizinho Níger. As informações são da rede France 24.

“Sinto-me cansado, mas estou bem”, disse emocionado ao desembarcar do avião. “É algo grandioso para mim estar aqui, ser livre. Queria homenagear o Níger por seu papel nesta delicada missão e homenagear a França e todos aqueles que me permitiram estar aqui hoje”, falou a repórteres.

Dubois, um repórter freelancer de 48 anos, foi sequestrado a caminho de Gao, no norte do Mali, onde faria uma entrevista com um líder jihadista. Ele anunciou seu sequestro em um vídeo publicado nas redes sociais em 5 de maio de 2021.

“Agora sabemos que ele foi capturado por bandidos que o entregaram ao GSIM”, disse o especialista jihadista da France 24, Wassim Nasr.

Olivier Dubois na chegada ao Níger nesta segunda-feira (Foto: Amaury Hauchard/Reprodução Twitter)

Dubois trabalhou para importantes veículos na França, como o jornal Libération, a revista Le Point e no semanário pan-africano editado em Paris Jeune Afrique. Ela morava e trabalhava no Mali desde 2015.

Junto do jornalista francês foi libertado o trabalhador humanitário norte-americano Jeffery Woodke. Woodke era ligado a uma ONG cristã, e trabalhava ajudando populações nômades em Abalak, no Níger, quando foi raptado em 14 de outubro de 2016 por fundamentalistas islâmicos e levado para o Mali.

Em Paris, a ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) celebrou a soltura de Dubois, destacando que se tratou do “mais longo para um jornalista francês mantido como refém desde a guerra no Líbano”.

“Tivemos notícias tranquilizadoras em várias ocasiões nos últimos meses, e novamente muito recentemente: ele parecia estar em boa forma, mas estávamos preocupados com a duração do seu cativeiro”, disse o secretário-geral da RSF, Christrophe Deloire, citado pela agência AFP.

Por que isso importa?

Embora as ações antiterrorismo globais tenham enfraquecido os dois principais grupos jihadistas do mundo, Estado Islâmico (EI) e Al-Qaeda, ambos conseguem se manter relevantes e atuantes. A estratégia dessas duas organizações inclui o recrutamento de novos seguidores através da internet e a forte presença em zonas de conflito como a África, onde são representadas por grupos afiliados regionais. O Afeganistão, agora sob o comando do Taleban, também é um porto seguro para muitos jihadistas.

Na África Ocidental, em particular, a violência das organizações jihadistas tem aumentado. Nos últimos três anos, foram registrados mais de 5,3 mil ataques terroristas, com a morte de cerca de 16 mil pessoas. A informação foi divulgada no início de maio deste ano pelo ministro da Defesa de Gana, Dominic Nitiwul, durante reunião de representantes dos países da região.

O continente africano ganhou importância em meio às derrotas impostas às grandes organizações jihadistas em outras regiões, caso do Oriente Médio. Em 2017, o exército iraquiano anunciou a derrota do EI no Iraque, com a retomada de todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. O EI, que chegou a controlar um terço do país, hoje mantém por lá apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas do grupo na Síria.

Em janeiro do ano passado, o exército norte-americano impôs nova derrota ao EI com o anúncio da morte de Amir Muhammad Sa’id Abdal-Rahman al-Mawla, principal líder da facção. Ele morreu durante uma operação antiterrorismo na Síria, em mais um duro golpe contra o grupo, que em 2019 havia perdido o líder anterior, Abu Bakr al-Baghdadi.

No caso da Al-Qaeda, que igualmente mantém facções relevantes na África, a sobrevivência do grupo pode ser explicada também pela tomada de poder pelo Taleban no Afeganistão. “As avaliações dos Estados-Membros até agora sugerem que a Al-Qaeda tem um porto seguro sob o Taleban e maior liberdade de ação”, diz relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado no final de maio.

“A Al-Qaeda permanece no sul e leste do Afeganistão, onde tem uma presença histórica”, diz o relatório. “O grupo supostamente tem de 180 a 400 combatentes, com as estimativas dos Estados-Membros inclinando-se para o número mais baixo”, prossegue o documento, que cita cidadãos de BangladeshÍndiaMianmar e Paquistão como sendo integrantes da facção.

O documento destaca, ainda, que “a Al-Qaeda usou a ascensão do Taleban para atrair novos recrutas e financiamento e inspirar os afiliados da Al-Qaeda globalmente”. E que o atual líder da organização, Ayman al-Zawahri, que foi o braço direito do famoso terrorista Osama Bin Laden, continua a viver no Afeganistão, bem como seus comandantes mais próximos.

Anteriormente, a ONU já havia lembrado que a Al-Qaeda chegou a parabenizar publicamente os talibãs pela ascensão ao poder. E alegou que um filho de Bin Laden, Abdallah, visitou o Afeganistão em outubro de 2021 para reuniões com o Taleban.

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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