Mali nega contratação de mercenários e diz que apenas receberá treinamento militar

Governo diz que “treinadores russos” estão no país para ajudar a fortalecer a capacidade operacional das forças de defesa e segurança locais

O governo do Mali, encabeçado pelo coronel Assimi Goita, negou que tenha contratado militares do Wagner Group, uma obscura organização paramilitar russa acusada de crimes de guerra em diversos países. De acordo com a cúpula maliana, foram contratados militares russos para fornecer treinamento às tropas locais, visando ao enfrentamento de grupos extremistas islâmicos. As informações são da rede Voice of America (VOA).

De acordo com o governo, “treinadores russos” estão no país para ajudar a fortalecer a capacidade operacional das forças de defesa e segurança do Mali. Aly Tounkara, diretor do Centro de Segurança e Estudos Estratégicos do Sahel, think tank baseado em Bamako, é difícil dizer se os russos são apenas militares ou mercenários. Mas ele afirma que, independentemente disso, eles atuarão no suporte ao exército local, não na linha de frente.

O coronel Assimi Goita em pronunciamento como presidente adjunto do Mali em maio de 2021 (Foto: Reprodução/Twitter/GoitaAssimi)

A contratação dos mercenários foi noticiada em setembro pela rede britânica BBC, com um contrato avaliado em 9,1 milhões de euros (R$ 57,8 milhões). Desde o início, a iniciativa foi reprovada por Emmanuel Macron, presidente da França, o principal aliado militar do Mali. E a chegada dos russos teria contribuído para a decisão do líder francês de retirar seu exército do país.

Wagner é uma milícia notória na Síria e na República Centro-Africana por ter cometido abusos e todos os tipos de violações que não correspondem a nenhum solução, e por isso é incompatível com a nossa presença”, disse o ministro das Relações Exteriores francês, Jean-Yves Le Drian.

A retirada já teve início. Em meados de dezembro, as forças de segurança da França deixaram a cidade de Timbutku, no norte do Mali, marcando o fim de sua presença militar na região após quase nove anos. Nesse período, o exército francês foi determinante para acabar com o domínio de grupos extremistas na área, e agora surge a incógnita quanto à capacidade de os militares locais de combaterem os jihadistas.

O exército francês emitiu um comunicado nesse sentido, no qual informa que o governo do Mali mantém “uma forte guarnição em Timbuktu”, com o suporte de cerca de dois mil soldados da missão de paz da ONU (Organização das Nações Unidas) permanentemente destacados lá. A França já havia fechado suas bases em em Kidal e Tessalit, mais ao norte, mas permanece na região Gao, área de fronteira volátil que tem sido o coração das operações nos últimos anos.

Por que isso importa?

A instabilidade no Mali começou com o golpe de Estado em 2012, quando vários grupos rebeldes e extremistas tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio deste ano o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.

A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos salários dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.

Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem o militar na formação do novo governo.

Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população malinesa rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.

Militarmente, especialistas e políticos ocidentais enxergam uma geopolítica delicada na região, devido ao aumento constante da influência de grupos jihadistas e a consequente explosão da violência nos confrontos entre extremistas e militares. Além disso, trata-se de uma posição importante para traficantes de armas e pessoas, e o processo em curso de redução das tropas franceses, que atuam no país desde 2013, tende a piorar a situação.

Os conflitos, antes concentrados no norte do país, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. A região central do Mali se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra forças do governo.

No Brasil

Casos mostram que o país é um “porto seguro” para extremistas. Em dezembro de 2013, um levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram. Saiba mais.

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