OMS investiga casos de abuso sexual envolvendo seus agentes na RD Congo

Denúncias vieram de 51 mulheres que atuaram em missão sanitária durante surto de Ebola entre 2018 e 2020

Dezenas de mulheres teriam sido abusadas sexualmente por integrantes de uma equipe internacional de ajuda da OMS (Organização Mundial de Saúde) e por funcionários locais que atuaram em uma missão sanitária para conter o avanço de um surto de Ebola na RD Congo. A agência internacional abriu uma investigação sobre o caso, informou a rede Voice of America (VOA).

A OMS nomeou uma comissão independente em outubro de 2020 para investigar relatos de violência sexual nas províncias de Ituri e Kivu do Norte e do Sul. A junta analisou o caso de homens ligados à OMS e a outras ONGs envolvidas no combate ao vírus. Eles teriam cometido abusos contra 51 mulheres entre 2018 e 2020.

Altos funcionários da OMS classificaram os resultados, divulgados na terça-feira (28), como “horripilantes e comoventes”.

Foi constatado que mais de 80 supostos casos de abuso sexual ocorreram no período de agosto de 2018 a junho de 2020. A maioria das vítimas eram mulheres sem instrução, com idades entre 13 e 43 anos. Boa parte delas atuava como cozinheira, faxineira e em trabalhos comunitários no atendimento às vítimas do Ebola na cidade de Beni, epicentro do surto no leste do país.

Mulheres chegam ao Centro de Tratamento contra o Ebola de Beni, ao leste do Congo, em janeiro de 2019 (Foto: World Bank/Vincent Tremeau)

Malick Coulibaly, membro da comissão, detalhou que grande parte das vítimas relatou que era forçada a fazer sexo em troca de emprego. Havia uma espécie de esquema de abuso sexual, organizado por meio de uma rede que operava localmente no recrutamento de pessoas para trabalhar na campanha contra o Ebola.

“A maioria das vítimas não conseguiu os empregos que lhes foram prometidos, apesar de terem concordado com relações sexuais”, disse Coulibaly. “Algumas mulheres declararam que continuaram a ser assediadas sexualmente por homens e que eram obrigadas a manter relações sexuais para poderem manter o emprego ou mesmo para serem pagas”.

Segundo Coulibaly, algumas mulheres que se recusaram a ter relações sexuais foram despedidas. A investigação apontou que nove foram estupradas.

As vítimas ainda relataram que os agressores não usaram preservativos, o que resultou em diversas mulheres grávidas, sendo elas posteriormente forçadas pelos mesmos homens a fazerem abortos.

As vítimas afirmaram que nunca relataram as agressões por medo de represálias ou de perder o emprego. Com poucas vagas em Beni, muitas relataram que o ato sexual é uma “moeda de troca” na hora de conseguir ou não um contrato.

Punições

A investigação apontou que 21 dos 83 supostos agressores eram funcionários da OMS, sendo alguns congoleses e outros de fora do país. O restante eram empreiteiros, motoristas e funcionários de segurança.

O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, definiu o relatório como “angustiante”. “A conduta é ​​uma traição doentia às pessoas a quem servimos”, disse ele. “É minha prioridade garantir que os perpetradores não sejam desculpados, mas responsabilizados. E assumirei a responsabilidade por fazer quaisquer mudanças que precisemos para evitar que isso aconteça no futuro”, garantiu.

Até o momento, quatro funcionários da OMS foram demitidos e dois foram colocados em licença administrativa. Os supostos estupradores serão encaminhados às autoridades nacionais da RD Congo. Ghebreyesus declarou que todas as vítimas terão acesso a apoio médico e psicossocial, e que será prestada assistência para a educação dos filhos.

Por que isso importa?

violência sexual aterroriza a população da RD Congo há mais de 20 anos. Apesar de o país ter feito algum progresso no combate a estupros nos últimos anos, o problema continua generalizado.

O exército congolês confirma que o problema faz parte, inclusive, da rotina militar, e que “elementos indisciplinados” cometeram violência sexual no passado. Mas que a ala militar do país trabalha para punir esse tipo de crime, antes tido como “tática de guerra“.

As razões teriam a ver com a reduzida inserção social das mulheres e a estrutura frágil de comando das milícias e do próprio exército, aponta a ONU (Organização das Nações Unidas).

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