Presença crescente do Wagner Group na África aumenta atrito entre os EUA e a Rússia

Washington diz que influência russa compromete a democracia e prejudica a luta contra o extremismo islâmico no continente

Washington levou ao Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) sua preocupação com a crescente presença do Wagner Group na África. O governo norte-americano acusa os mercenários, que servem ao Kremlin, de prejudicar o combate ao extremismo islâmico, comprometer a democracia e subtrair de maneira abusiva recursos naturais das nações onde atuam. As informações são da agência Associated Press (AP).

Richard Mills, vice-embaixador dos EUA na ONU, afirmou que as ações da organização paramilitar “aumentam a probabilidade de crescimento do extremismo violento” na região do Sahel, embora o grupo seja invariavelmente contratado justamente sob a justificativa de combater o terrorismo.

A questão das exploração financeira das nações africanas pelos mercenários é um tema recorrente. No Mali, onde os russos são parceiros do governo militar no combate ao extremismo, fontes sustentam que a remuneração de US$ 10,8 milhões mensais, prevista em contrato, é feita com dinheiro da extração de minerais. Já em Burkina Faso, uma mina teria sido usada como pagamento aos mercenários.

Combatentes do Wagner Group: presença cada vez maior no continente africano (Foto: VK/reprodução)

Apesar de faturar alto para fornecer seus serviços, o Wagner Group é acusado pelos EUA de falhar na missão. Embora não cite o nome da organização paramilitar, Giovanie Biha, vice-chefe do escritório da ONU para a África Ocidental e Sahel, endossa essa ideia.

Ela disse ao Conselho de Segurança que “a insegurança voltou a se deteriorar em grandes partes da região” devido à atuação de extremistas e outros grupos armados, situação que reflete de forma negativa em várias questões. Por exemplo, a violência forçou dez mil escolas e sete mil centros de saúde a suspenderem suas atividades no Sahel.

A região enfrenta “níveis sem precedentes de segurança e desafios humanitários, instabilidade sociopolítica, agravada ainda mais pelo impacto das mudanças climáticas e insegurança alimentar que foi exacerbada por o conflito na Ucrânia”, disse Biha.

Segundo Mills, tem sido registrado “um aumento dramático na força e influência do extremismo violento”, problema que requer “uma solução de governança democrática”. Ele acrescentou: “Também estamos seriamente preocupados com o retrocesso democrático em toda a região e pedimos o retorno de governos democraticamente eleitos e liderados por civis”.

Isis Jaraud-Darnault, conselheira política da França, também culpa os mercenários pelo aumento da violência extremista na África. Segunda ela, o método adotado pelos russos é “totalmente ineficaz no combate ao terrorismo”, com registros constantes de abusos dos direitos humanos, como um massacre de civis ocorrido no Mali em novembro do ano passado.

A avaliação é a mesma do vice-embaixador britânico na ONU, James Kariuki. “Não se pode ignorar o papel desestabilizador do Wagner Group na região. Eles são parte do problema, não a solução”, disse ele ao Conselho de Segurança, citando a presença da organização paramilitar no Mali, em Burkina Faso, na Nigéria e na bacia do Lago Chade.

Kariuki ainda citou o risco de que a violência extremista vá além do Sahel e atinja a costa da África Ocidental, algo que já vem sendo registrado. Um país costeiro que passou a sofrer com o terrorismo é o Benin, que registrou mais de 20 ataques desde o final de 2021. O Togo, que até 2022 havia sofrido apenas uma tentativa de ataque terrorista, é outro que passou a viver sob a constante ameaça dos insurgentes.

Ameaça à democracia

Atualmente, o Wagner Group marca presença em ao menos seis países africanos. Para isso, conta com o suporte da propaganda do Kremlin, que há anos realiza uma campanha de influência no continente, sobretudo focada em nações politicamente instáveis. O governo russo faz uso das redes sociais para difundir uma imagem favorável junto à população local e atua até mesmo para influenciar os protestos de rua.

Nenhum caso ilustra melhor essa situação que o de Burkina Faso, onde os recentes golpes de Estado estão diretamente ligados à presença russa. Foi assim na derrubada do governo democrático que colocou o tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba no poder no início do ano passado. O think tank norte-americano Atlantic Council diz que “o conteúdo pró-russo se espalhou nas mídias sociais da África Ocidental nos meses que antecederam o golpe militar de janeiro de 2022 que derrubou o governo”.

A questão russa foi novamente relevante na ascensão do capitão Ibrahim Traoré, no golpe de setembro de 2022. Um oficial militar baseado no Sahel, cuja identidade não foi revelada, diz que Damiba chegou a cogitar a possibilidade de contratar os mercenários. Porém, ele mudou de ideia e incomodou o alto escalão das forças armadas burquinenses, o que abriu espaço para Traoré usurpar o poder.

Moscou se defendeu através de sua vice-embaixadora na ONU, Anna Evstigneeva. “Alguns países mais uma vez declararam hoje que a Rússia aparentemente está pilhando e saqueando os recursos da África e está facilitando o crescimento da ameaça terrorista”, disse ela, segundo quem as mesmas nações que fazem as denúncias agem dessa forma “em todo o mundo e na África”, especialmente na vizinha Líbia.

Embora diga que a Rússia compartilha da preocupação com a violência no continente africano, Evstigneeva disse que “já há algum progresso”. Não citou, no entanto, o Wagner Group.

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