As Forças Armadas do Mali assumiram nesta segunda-feira (26) a autoria de um ataque realizado por drones que teria como alvo “terroristas” na cidade de Tinzaouatine, no norte do país africano. Entretanto, rebeldes tuaregues da região atingida alegam que há 21 civis entre as vítimas do bombardeio, inclusive 11 crianças. As informações são da agência Associated Press (AP).
“O Estado-Maior das Forças Armadas confirma ataques aéreos no setor de Tinzaouatine na manhã de 25 de agosto de 2024. Esses ataques de precisão tiveram como alvo terroristas”, disse comunicado divulgado pela junta militar que governa o Mali.
Os tuaregues, por sua vez, afirmam que as bombas atingiram uma farmácia e um grupo de pessoas que estavam reunidas no local bombardeado. “O balanço provisório desses ataques criminosos é de 21 civis mortos, incluindo 11 crianças e o gerente da farmácia, dezenas de feridos e enormes danos materiais”, disse o porta-voz do grupo, Mohamed Elmaouloud Ramadane.
Os tuaregues compõem uma coalizão chamada Quadro Estratégico para a Defesa do Povo de Azawad que luta pela independência da região. Eles invariavelmente se unem a grupos extremistas islâmicos para enfrentar as forças do governo, que por sua vez contam com o apoio dos mercenários russos do Wagner Group.
O choque entre os dois lados custou caro inclusive ao Wagner, que perdeu dezenas de combatentes em julho durante confronto com a coalizão tuaregue e membros do Jamaat Nasr al-Islam wal Muslimin (JNIM), um grupo extremista islâmico ligado à Al-Qaeda. Os rebeldes alegam que 47 soldados malianos e 84 mercenários foram mortos naquela ocasião.
Mais vítimas civis
Se confirmados os números de mortos no ataque de domingo, será o episódio mais violento com vítimas civis desde que o governo maliano e os rebeldes separatistas do norte romperam uma trégua no ano passado.
Em um ataque anterior também realizado pelas Forças Armadas do Mali, drones mataram 13 civis, incluindo sete crianças, no dia 17 de março. Se desta vez foram os rebeldes quem apontaram a autoria, naquela ação a denúncia partiu da ONG Anistia Internacional.
A entidade disse que o governo igualmente assumiu o ataque sob o argumento de visava “neutralizar muitos terroristas e alguns dos seus veículos.” Testemunhas ouvidas pela Anistia confirmam que um carro usado por insurgentes foi atingido, mas alegam que um segundo ataque teve como alvo um abrigo improvisado onde se escondiam civis.
Por que isso importa?
O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando grupos rebeldes e insurgentes islâmicos tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.
A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos ingressos dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.
Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem os militares na formação do novo governo.
Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.
Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e principalmente ao Estado Islâmico (EI), o que levou a uma explosão de violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.
Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.
A situação tornou-se ainda mais delicada devido à retirada das tropas da França, que até agosto de 2022 colaboravam com o governo nacional nas operações de contraterrorismo. A decisão de Paris de evacuar seus militares gerou dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes. O espaço deixado pelos franceses foi assumido inicialmente pelos mercenários do Wagner Group, da Rússia.