Sem ajuda humanitária, Tigré enfrenta fome que já matou mais de 1,4 mil pessoas

Entrega de alimentos foi suspensa após cargas serem roubadas, em meio a um frágil pacto que suspendeu o conflito na região

A suspensão da entrega de ajuda humanitária à região de Tigré, no norte da Etiópia, tem causado fome entre a população local, levando mais de 1,4 mil pessoas à morte. As informações são da rede BBC.

A entrega de comida foi interrompida em junho, quando o Programa Mundial de Alimentos (PMA) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) denunciaram que as cargas destinadas à população local vinham sendo desviados para funções diversas.

Os responsáveis pelo desvio de ajuda humanitária seriam funcionários dos governos regional e federal etíope e soldados da Eritreia, cujas forças armadas são parceiras de Adis Abeba no conflito contra os rebeldes de Tigré. A denúncia foi feita com base em uma investigação conduzida por autoridades da região no norte da Etiópia, e o governo central vem apurando o caso.

Cidadãos de Tigré, na Etiópia, fogem de conflitos em dezembro de 2020 (Foto: UN Photo/Will Swanson)

A investigação conduzida pelas entidades apontou que sete mil toneladas de trigo e 215 mil litros de óleo de cozinha foram desviados, segundo o general Fiseha Kidanu, chefe de paz e segurança da administração regional interina de Tigré.

No total, 186 pessoas foram acusadas, mas apenas sete prisões foram efetuadas. Os resultados da investigação coordenada pelo governo central ainda não foram divulgados.

Sem a ajuda a humanitária, muitas pessoas não conseguem se alimentar. Gebrehiwet Gebrezgabher, comissário do governo interino estabelecido desde o acordo de paz que interrompeu o conflito em Tigré, diz que já foram registradas 1.411 mortes em razão da fome. E o número real tende a ser maior, pois os dados de várias áreas não foram computados.

“O PMA está profundamente preocupado com o impacto que qualquer pausa na assistência pode ter nas vidas das famílias que atende”, disse a agência da ONU (Organização das Nações Unidas). “Portanto, estamos colocando todas as salvaguardas práticas para garantir que a assistência alimentar chegue e seja usada pelos beneficiários pretendidos.”

Por que isso importa?

A região de Tigré, no extremo norte da Etiópia, esteve imersa em conflitos por dois anos desde novembro de 2020, quando disputas eleitorais levaram Addis Abeba a determinar a tomada das instituições locais. A disputa opõe a Frente de Libertação do Povo Tigré (TPLF, na sigla em inglês), partido político com um braço armado que liderou a coalizão rebelde, às forças de segurança nacionais da Etiópia.

Os militares chegaram a reconquistar Tigré, mas os rebeldes viraram o jogo e começaram a ganhar território. No final de junho de 2021, eles anunciaram um processo de “limpeza” para retomar integralmente o controle da região e assumiram o comando de Mekelle.

Pouco após a derrota do exército, o governo da Etiópia decretou um cessar-fogo e deixou Tigré. Os soldados do exército da aliada Eritreia também deixaram de ser vistos por lá. Posteriormente, com o avanço dos rebeldes, que chegaram às regiões vizinhas de Amhara e Afar, o exército foi enviado novamente para apoiar as tropas locais.

Durante o conflito, a TPLF se aliou ao Exército de Libertação Oromo (OLA, na sigla em inglês), que em 2020 se desvinculou do partido político homônimo e passou a defender de maneira independente a etnia Oromo, a maior da Etiópia.

A coalizão passou a superar o exército nos confrontos armados e chegou a ameaçar rumar para a capital, sem sucesso. A situação estava relativamente calma em 2022 até agosto, quando nos confrontos eclodiram. Três meses depois, um cessar-fogo foi firmado, e os rebeldes começaram a depor suas armas.

Acredita-se que dezenas de milhares de pessoas tenham morrido no conflito, com milhões de deslocados das regiões de Tigré, Amhara e Afar. Em março de 2023, os EUA acusaram todas as partes envolvidas no conflito de cometerem crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

A denúncia recai não apenas sobre as forças armadas da Etiópia e da Eritreia, país vizinho que apoiou o governo etíope durante o conflito. Também atinge as milícias de oposição, quais sejam a TPLF e as forças rebeldes de Amhara.

Atualmente, com o pacto de paz ativo, Tigré enfrenta um período de calmaria, sob um governo interino liderado pela TPLF e à espera de eleições prometidas por Adis Abeba.

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