Semana marcada pela violência dos jihadistas tem quase 50 pessoas mortas no Mali

Facções do EI e da Al-Qaeda travam uma guerra por território que aumentou a violência na região norte do país africano

Na semana passada, quando a França e seus aliados europeus anunciaram que suas tropas de combate ao terrorismo deixariam o Mali, a violência dos grupos jihadistas no país africano fez quase 50 novas vítimas, em meio a uma disputa entre grupos afiliados ao Estado Islâmico (EI) e a à Al-Qaeda. As informações são do jornal britânico Guardian.

Ao menos 40 civis foram mortos na região de Tessit, no norte do Mali, perto das fronteiras com o Níger e Burkina Faso. Eles teriam sido atacados por integrantes do Estado Islâmico do Grande Saara (EIGS), sob acusação de cumplicidade com o GSIM (Grupo de Suporte ao Islã e aos Muçulmanos), que é uma facção da Al-Qaeda e tida como maior aliança jihadista do Sahel.

Os dois grupos, que também enfrentam as forças de segurança locais e estrangeiras, se enfrentam desde 2020, numa disputa por território que ampliou a violência na área. Primeiro, o GSIM atacou comerciantes locais acusados de fornecerem ajuda aos rivais, expulsando famílias que deixaram suas casas e fugiram para o Níger.

O contra-ataque do EIGS veio depois, nas mesmas aldeias. “Acusaram os homens de serem cúmplices do GSIM. Eles mataram os velhos e os jovens”, disse um indivíduo que trabalha em Tessit, calculando em 33 o número de pessoas executadas. “Quando um grupo [jihadista] passa por uma aldeia, o que vem depois acusa os moradores de serem cúmplices”, afirmou o homem.

Membros do grupo jihadista Estado islâmico no Grande Saara (Foto: Divulgação)

Tropas do governo

Em meio ao choque entre facções, oito soldados do exército do Mali morreram na sexta-feira (18), no noroeste do Mali. Outros 14 ficaram feridos e quatro estão desaparecidos, de acordo com a agência de notícias Reuters.

Grupos de extremistas armados e em motocicletas atacaram uma posição das tropas do governo, que reagiram. Houve trocas de tiros, e as forças armadas calculam ter matado 57 terroristas na ação, que também ocorreu na região da tríplice fronteira, desta vez mais perto de Burkina Faso.

Por que isso importa?

Ações antiterrorismo globais têm enfraquecido os dois principais grupos terroristas do mundo, o EI e a Al-Qaeda. Já a pandemia de Covid-19 fez cair o número de ataques em regiões sem conflito, devido a fatores como as limitações impostas às viagens internacionais e a redução do número de pessoas em áreas públicas.

Na tentativa de manter a relevância, as organizações jihadistas têm investido em zonas de conflito, como o continente africano, e isso pode causar um impacto a curto prazo na segurança global, conforme as regras de restrição à circulação são afrouxadas.

O EI, em particular, se enfraqueceu militar e financeiramente, vitimado pela má gestão de fundos por parte de seus líderes e sufocado pelas sanções econômicas internacionais. Porém, a organização ganhou sobrevida graças ao poder de recrutar seguidores online. Atualmente, as ações do EI são empreendidas quase sempre por atores solitários ou pequenos grupos que foram radicalizados e incitados através da internet.

Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que o EI dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas no país.

Em janeiro deste ano, o exército norte-americano anunciou ter matado Amir Muhammad Sa’id Abdal-Rahman al-Mawla, principal líder da facção, durante uma operação antiterrorismo na Síria. Foi mais um duro golpe contra o EI, que em 2019 havia perdido o líder anterior, Abu Bakr al-Baghdadi.

Assim, o principal reduto do EI tornou-se o continente africano, onde conseguem se manter relevante graças à ação de grupos afiliados regionais, como Al-ShabaabISWAPEIGS e Boko Haram. A expansão em muitas regiões da África é alarmante e pode marcar a retomada de força global da organização, algo que em determinado momento tende refletir em regiões sem conflito, como Europa e Estados Unidos, alvos preferenciais de ataques terroristas.

A Al-Qaeda, por sua vez, passou a contar com um forte aliado no Afeganistão, que desde a tomada de poder pelo Taleban abriu as portas do país para os extremistas do grupo. Grupos afiliados à organização terrorista também continuam a controlar o noroeste da Síria, na área de Idlib.

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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