Adesão da Argentina à Nova Rota da Seda levanta suspeitas de ciberespionagem pela China

Coalizão de oposição ao presidente Alberto Fernández questiona item do acordo que fala da rede a cargo da Huawei

O governo argentino assinou no domingo (6) um memorando com a China que promove a incorporação do país à iniciativa Nova Rota da Seda, em um acordo que prevê investimentos e financiamentos. No entanto, a oposição ao presidente Alberto Fernández questiona um trecho do documento, alegando suspeita de ciberespionagem pelo governo chinês. As informações são do jornal El Intransigente.

A contestação surgiu no ponto 13 do texto, onde consta um parágrafo que fala vagamente sobre “programas de conectividade e fibra ótica”. No entendimento da coalizão de oposição Juntos para a Mudança, de centro-direita, o trecho faz menção ao fornecimento de tecnologia 5G pela gigante chinesa das telecomunicações Huawei, que teria como objetivo escuso obter dados relevantes sobre a nação latino-americana.

O presidente argentino Alberto Fernández durante agenda oficial na China, que incluiu uma visita ao Museu do Palácio (Foto: Casa Rosada/Divulgação)

Enquanto a Casa Rosada celebra a adesão à iniciativa estratégica chinesa, os oposicionistas rechaçam a assinatura e estão engajados em denunciar o que classificam como “verdadeiras intenções” de Beijing em relação à Argentina.

Uma das principais vozes é o ex-chanceler do governo Macri, George Faurie. Para ele, o acordo deixa subentendido que se trata do “controle de uma enorme riqueza em termos de dados e gestão de redes”. “Ficaríamos completamente sugados pela China neste avião”, alertou.

A Huawei entraria em jogo com sua rede de fornecimento 5G. A multinacional, na visão de alguns analistas geopolíticos, seria uma espécie de “braço coercitivo” do governo chinês. A desconfiança global que recai sobre a empresa de telecomunicações se sustenta em teorias sobre sua proximidade ao regime do país asiático. A suspeita se apega ao fato de o presidente Xi Jinping ter promovido o avanço da empresa em diversas partes do mundo nos últimos anos, inclusive na Argentina.

Diante disso, a Huawei tem enfrentado uma crescente desconfiança na construção de redes 5G em todo o mundo, com a implantação rejeitada em vários países. Austrália, Nova Zelândia, Portugal, Índia, Canadá, Estados Unidos e Reino Unido já baniram a infraestrutura da fabricante em seu território por medo de que a China pudesse usá-la para espionagem, coletando dados de usuários, empresas, organizações e governos.

Na Argentina, a Huawei fornece tecnologia para telecom e antecipou que irá manter o link mesmo com o alerta norte-americano. Da mesma forma, em nível normativo e legal, a Enacom (órgão regulador de comunicações do país) não pode intervir na regulação. E, caso os equipamentos se adequem às normas de homologação, estarão aptos a operar livremente.

A China tem um interesse explícito em que a Huawei seja a fornecedora líder na implantação da próxima geração de tecnologias de telecomunicações na Argentina, já antecipava o artigo ‘Sete ameaças à segurança nacional da Argentina‘, publicado em agosto de 2021 em A Referência. À época, o presidente Fernández não descartava a participação empresa chinesa nas licitações do país, e a gigante já havia ganhado uma licitação importante autorizada pela ARSAT (estatal argentina de telecomunicações).

Congresso tentará barrar

Segundo o deputado federal Gerardo Milman, o Juntos para a Mudança irá se manifestar contrariamente à adesão no Congresso. “É muito grave que o governo adicione a Argentina à nova Rota da Seda da China. Vamos impedir que isso seja aprovado pelo Congresso Nacional e continuaremos trabalhando para que nosso país faça parte da OCDE”, enfatizou.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é uma organização de cooperação internacional com o objetivo de coordenar as políticas econômicas e sociais. Em contraste com a rota comercial chinesa, isso inclui países da América do Norte, Europa e outras nações do mundo alinhadas com o Ocidente.

Por que isso importa?

A desconfiança global que recai sobre a Huawei se sustenta em teorias sobre sua proximidade com o governo chinês. Autoridades ocidentais citam a Lei de Inteligência Nacional da China, de 2017, segundo a qual as empresas nacionais devem “apoiar, cooperar e colaborar com o trabalho de inteligência nacional”, o que poderia forçar particularmente a gigante da tecnologia a trabalhar a serviço do Partido Comunista Chinês (PCC).

Em 2020, parlamentares britânicos afirmaram em um relatório que a Huawei está “fortemente ligada ao Estado e ao PCC, apesar de suas declarações em contrário”. Diante disso, a empresa tem enfrentado crescente desconfiança na construção de redes 5G em todo o mundo, com a implantação rejeitada em vários países. Austrália, Nova Zelândia, Portugal, Índia, EUA e Reino Unido baniram a infraestrutura da companhia por medo de ser usada para espionagem.

As especulações referentes aos produtos de vigilância da Huawei ganharam força no final de 2021 em meio a temores na China e no mundo sobre as consequências do uso maciço do reconhecimento facial e de outros métodos de rastreamento biométrico. E, ao mesmo tempo em que o PCC continua a confiar em tais ferramentas para erradicar a dissidência e manter seu regime de partido único, ele alerta sobre o uso indevido de tecnologias no setor privado.

Em 2021, após pressão de Beijing, a Huawei e outros gigantes da tecnologia foram compelidas a não abusar do reconhecimento facial e de outras ferramentas de vigilância, após uma nova lei de proteção de dados pessoais entrar em vigor. Mas o veto vale apenas para o setor privado. No setor público, o jornal The Washington Post revelou em dezembro que a ligação da Huawei com o aparato chinês de vigilância governamental é maior que o imaginado.

Os dados aparecem em uma apresentação de Power Point que estava disponível no site da empresa e foi removida. Repleto de itens “confidenciais”, o arquivo mostra como a tecnologia da empresa pode ajudar Beijing a identificar indivíduos por voz, monitorar pessoas de interesse, gerenciar reeducação ideológica, organizar cronogramas de trabalho para prisioneiros e rastrear compradores através do reconhecimento facial.

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