Aumento do investimento estrangeiro em setores-chave da economia brasileira acende alerta

Empresas de fora, principalmente da China, estão desempenhando um papel significativo no Brasil, impactando interesses nacionais

Nos últimos anos, empresas estrangeiras têm adquirido participações em setores estratégicos da economia brasileira, incluindo áreas como energia elétrica, portos e aeroportos, em transações que ocorrem por meio de fusões, aquisições ou investimentos diretos. Essa tendência aponta para um cenário de enfraquecimento do governo brasileiro em relação às suas atividades, enquanto se justifica pela busca por maior eficiência e tecnologia nos setores regulados. 

Esses investimentos estrangeiros, que vêm principalmente da China, trazem benefícios, mas também geram preocupações sobre a soberania nacional e o controle de ativos essenciais por empresas de outros países. Colocando o assunto em uma balança, há um equilíbrio delicado entre desenvolvimento econômico e proteção dos interesses nacionais.

Os números revelam um padrão marcante de investimento chinês no Brasil ao longo dos últimos anos. Entre 2007 e 2022, empresas chinesas realizaram investimentos expressivos em território nacional, totalizando US$ 71,6 bilhões, de acordo com dados recentes do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).

O setor de eletricidade emergiu como destino principal desses fundos, absorvendo 45,5% do montante total, seguido de perto pelo setor de extração de petróleo, com 30,4% de participação. Os maiores empreendimentos foram liderados por três estatais centrais chinesas: State Grid, China Three Gorges e State Power Investment Corporation (SPIC).

Investimentos vêm ocorrendo principalmente no setor de energia elétrica (Foto: Pxhere)

Entre os exemplos recentes no setor elétrico, a State Grid, com um lance de R$ 1,9 bilhão, venceu o maior lote do leilão de transmissão de energia realizado em dezembro pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e agora controla 24 concessionárias de energia elétrica no Brasil. A empresa promete “transmitir energia gerada por fontes limpas e renováveis“, segundo seu diretor, Sun Tao.

A vitória, entretanto, não vem livre de questionamentos. Presente também em outros países ocidentais, a companhia chinesa enfrentou um escândalo de corrupção em 2014, foi uma das protagonistas dos recentes apagões na China e tem sido questionada na Austrália, onde inclusive foi impedida de fazer movimento idêntico ao que realizou no Brasil.

Outra presença significativa é a da Enel, uma empresa italiana atualmente responsável pela área de concessão da antiga Eletropaulo.

Já no setor portuário a chinesa CMPorts adquiriu o controle da empresa brasileira TCP. Nos aeroportos, a Aena Desarrollo, uma empresa espanhola, ganhou a licitação para administrar aeroportos importantes no país, como Congonhas, em São Paulo, e Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

No setor de petróleo e gás, a norueguesa Equinor, em parceria com a ExxonMobil e a Petrogal Brasil, investiu US$ 8 bilhões em um consórcio de exploração de petróleo no campo de Bacalhau, na Bacia de Santos, com operações previstas para 2024.

Terras nas mãos de estrangeiros

A aquisição de terras rurais no Brasil por empresas com controle majoritariamente estrangeiro tem gerado intensos debates, tanto no âmbito do Judiciário quanto no Congresso Nacional. As preocupações centrais abordam a proteção do meio ambiente, das comunidades rurais e da soberania alimentar, valores esses garantidos constitucionalmente.

De acordo com um estudo recente conduzido pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, associado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), aproximadamente 6,5 milhões de hectares de terras no Brasil estão agora sob controle de estrangeiros, seja através de propriedade direta ou arrendamento, repercutiu o portal Metrópoles.

Essa área, que abrange quase 6,5 milhões de hectares, representa uma extensão maior do que a área total plantada do Brasil com algodão, arroz e feijão combinados.

Os números lançam luz sobre a aplicação efetiva das disposições da Lei nº 5.709, que não proíbe a aquisição de terras por estrangeiros, mas estabelece regulamentações específicas e exige aprovação prévia para tais transações.

Quanto ao impacto econômico, as opiniões são divergentes entre as autoridades políticas. Algumas defendem que flexibilizar as restrições para aquisição de terras por empresas estrangeiras pode incentivar investimentos no setor agrícola. Isso, por sua vez, poderia impulsionar a produção, criar empregos e estimular o crescimento econômico.

Pôr do sol no campo registrado no interior de São Paulo: terras em mãos estrangeiras (Foto: WikiCommons)

Por outro lado, há o receio de que a compra de terras por empresas estrangeiras possa resultar na concentração de propriedade e formação de monopólios. Isso poderia dificultar o acesso dos pequenos agricultores à terra e ter um impacto negativo na segurança alimentar.

Em relação aos impactos ambientais, os defensores da aquisição de terras por empresas estrangeiras argumentam que estas podem introduzir tecnologias avançadas e práticas sustentáveis na agricultura, o que contribuiria para a preservação ambiental.

Entre os contrários, há preocupações de que o foco no lucro imediato possa incentivar práticas insustentáveis, como o desmatamento e o uso excessivo de agrotóxicos, o que teria impactos negativos sobre o meio ambiente.

Já no que diz respeito à soberania nacional, a limitação na aquisição de terras por estrangeiros é vista como uma medida para proteger a soberania nacional e evitar uma excessiva dependência externa na produção de alimentos. No entanto, argumenta-se que as regulamentações existentes podem ser demasiadamente restritivas, o que poderia afastar potenciais investidores estrangeiro.

O que diz a lei

No início da década de 1970, o Brasil implementou restrições à propriedade de terras por estrangeiros. Contudo, registros públicos irregulares geraram incerteza quanto à consistência com que essas restrições são aplicadas.

O Senado aprovou um projeto de lei no final de 2020 que propõe flexibilizar essas restrições à propriedade de terras por estrangeiros. Entretanto, as chances desse projeto ser aprovado na Câmara dos Deputados são incertas, lançando dúvidas sobre o rumo futuro dessa legislação, segundo informações do jornal Folha de S.Paulo.

Celulose

O senador Irajá Abreu (PSD/TO), responsável pelo projeto de lei, afirmou à agência Reuters que as regulamentações vigentes estão limitando investimentos de bilhões de reais. Ele destacou que a disputa envolvendo a transferência do controle da empresa de celulose e papel Eldorado da empresa brasileira J&F para o Paper Excellence Group é um exemplo claro de como as restrições aos investidores estrangeiros podem impedir grandes aportes.

“Não devemos discriminar os investimentos estrangeiros”, declarou Irajá. “Se esses investidores estrangeiros estão dispostos a respeitar nossa soberania e obedecer nossas leis, por que não devemos recebê-los de braços abertos no setor agrícola?”

Promotores citaram preocupações com “soberania” e “segurança nacional” para bloquear a transação, que chega a US$ 3 bilhões, conforme documento judicial visto pela Reuters.

Em dezembro, o Incra emitiu uma recomendação afirmando que o acordo daria à Paper Excellence controle sobre 14.486 hectares de terras rurais da Eldorado.

A Paper Excellence, em comunicado, afirmou ter adquirido uma fábrica de celulose e não ter interesse em adquirir terras rurais no Brasil ou em qualquer outro país onde atue.

A Eldorado, que também arrenda terras, processa eucaliptos em 249 mil hectares, conforme seu site.

O Incra destacou que a unidade brasileira da Paper Excellence era considerada “equivalente a uma empresa estrangeira” e, portanto, deveria obter aprovação do Congresso por meio da agência antes de finalizar a aquisição.

Assédio

As empresas chinesas têm sido grandes investidoras nos setores de energia, infraestrutura e tecnologia espacial da América do Sul, levando Beijing a superar os Estados Unidos como o principal parceiro comercial na região. No Brasil, recentemente foram registrados atos de assédio moral contra trabalhadores da Usina Hidrelétrica Engenheiro Souza Dias, popularmente conhecida como Usina Jupiá, no Estado do Mato Grosso do Sul, gerando um clima de intimidação e humilhação no local de trabalho.

Em resposta, o Ministério Público do Trabalho (MPT) aplicou multas que chegaram a R$ 500 mil às empresas PowerChina Brasil Construtora Ltda.Rio Paraná Energia S.A. e China Three Gorges Brasil Energia Ltda.

Em entrevista para A Referência no ano passado, Li Qiang, fundador e diretor-executivo da China Labor Watch (CLW), uma organização não governamental (ONG) sediada em Nova York, nos EUA, disse que muitos dos abusos no continente estão relacionados à Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative), a qual, segundo Qiang, faz uso de mão de obra chinesa nos países hospedeiros como forma de reduzir os custos trabalhistas. O Brasil, porém, não participa da iniciativa.

“Sabemos que as empresas chinesas geralmente maltratam tanto os trabalhadores chineses quanto os de outros países”, observou Qiang ao citar o projeto lançado pelo presidente Xi Jinping para financiar obras de infraestrutura no exterior.

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