Diferente do que disse Lula, Brasil teria obrigação de prender Vladimir Putin, afirma especialista

Flávio de Leão Bastos Pereira cita a adesão ao Estatuto de Roma e diz que governo brasileiro precisaria cumprir mandado de prisão do TPI

Por Paulo Tescarolo

As autoridades brasileiras teriam a obrigação de prender o presidente russo Vladimir Putin caso ele viesse ao Brasil para a reunião do G20 em 2024, no Rio de Janeiro. É o que afirma Flávio de Leão Bastos Pereira, professor de Direito Constitucional na Universidade Presbiteriana Mackenzie, que conversou com a reportagem de A Referência sobre os efeitos do mandado de prisão expedido contra o líder russo pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), em março.

A possibilidade de Putin ser detido no Brasil passou a ser debatida após declaração do presidente Lula que gerou repercussão global. “Eu posso dizer que, se eu sou presidente do Brasil e ele vem para o Brasil, não tem por que ele ser preso”, afirmou o petista em entrevista ao site indiano Firstpost, no sábado (9), durante a 18ª edição da Cúpula do G20 em Nova Délhi, na Índia.

Dois dias depois, porém, o brasileiro voltou atrás em seu discurso e disse que não caberia a ele decidir o destino de Putin. “Não sei se a Justiça brasileira vai prender, isso quem decide é a Justiça, não é o governo nem o Parlamento, é a Justiça que vai decidir”, declarou Lula, segundo a Agência Brasil.

Sob o risco de ser detido, Putin já deixou de ir à África do Sul para a cúpula do BRICS, em agosto, após semanas de especulação sobre a presença dele ou não no evento de Joanesburgo. Como os sul-africanos, o Brasil também é membro do TPI, por isso não restaria escolha ao Judiciário brasileiro.

“O Estado brasileiro tem obrigação de cooperar, inclusive prendendo Putin se assim for o caso”, afirma Bastos Pereira, que é também editor-chefe do Journal of International Criminal Law, da Suécia, e professor convidado na Universidade de Nuremberg, na Alemanha, onde aborda o tema genocídio. “O dever de cooperação é imperativo, é absoluto”, acrescenta ele.

Vladimir Putin: mandado de prisão não deixa escolhas ao Brasil (Foto: Kremlin.ru/Divulgação)

A adesão brasileira ao TPI foi formalizada em 2004, quando uma reforma constitucional adicionou o parágrafo quarto ao artigo quinto da Constituição Federal. Diz ele que “o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.”

“O Brasil, como Estado soberano, assinou, ratificou no Congresso e promulgou, por decreto, o Estatuto de Roma”, explica Bastos Pereira, referindo-se ao tratado internacional que estabeleceu o TPI. “Uma vez que o Brasil aderiu, ratificou e promulgou, o Estatuto de Roma se torna lei para o Brasil.”

Assim, a prisão de Putin seria imperativa. “Como o Brasil aderiu e se tornou Estado Parte, ele expressamente se submete à obrigação de cooperar com as investigações e processamentos do TPI”, reforça o professor do Mackenzie.

Uma eventual recusa em cumprir o mandado, como sugeriu Lula, não geraria punições imediatas ao Brasil, vez que o TPI sequer tem estrutura ou equipamento próprios, dependendo da cooperação dos Estados para atuar. Porém, desobedecer a ordem judicial comprometeria a política externa do governo.

“O Estatuto de Roma prevê a possibilidade de o TPI, em caso de constatar uma recusa no cumprimento do dever de cooperação por algum Estado, enviar a questão para a assembleia dos Estados Partes do TPI, ou ainda ao Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas). O caso seria submetido e se analisaria uma forma de sancionar o Estado”, explica o professor.

Diante de tal cenário, Bastos Pereira projeta uma punição informal, que seria o comprometimento da imagem do país no exterior. Nesse sentido, ele cita um desdobramento hipotético. Postulante a uma vaga permanente no Conselho de Segurança, o Brasil teria sua pretensão comprometida caso Putin ganhasse trânsito livre pelo país.

Internamente, um possível efeito do descumprimento do mandado seria o impeachment de Lula, por desrespeitar a Constituição. Embora veja viabilidade jurídica, o professor não aposta em tal desfecho.

“Em tese, pode-se pensar nisso. Mas acho quase inviável. Embora o impeachment tenha regras jurídicas, é essencialmente um instrumento político. Para que vá adiante, depende de um cenário no Congresso que colocasse um presidente em uma situação muito difícil. Acho muito difícil o Lula sofrer impeachment por conta disso, uma vez que tem tido apoio considerável do Congresso”, declarou

Embora a reunião do G20 esteja distante, considerando as condições atuais, o desfecho mais provável para o caso seria a ausência de Putin, assim como ocorreu em Joanesburgo. “Embora esses líderes constantemente critiquem o TPI, eles têm medo do Tribunal. Putin não foi à África do Sul com medo de ser preso”, afirma Bastos Pereira. “Esse caso do Putin deixa claro que ele tem medo, tem receio efetivamente de ser preso se vier ao Brasil ou à África do Sul.”

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