Importações chinesas desafiam a fragilizada indústria brasileira

O estreitamento das relações comerciais entre Brasil e China, a partir dos anos 2000, tem causado a desnacionalização da estrutura produtiva

A China é frequentemente apontada como a principal responsável pelo declínio da indústria brasileira. A explicação é quase óbvia: seus produtos são vistos como concorrentes perigosos para os manufaturados brasileiros tanto no mercado interno quanto no internacional, devido à difícil competição em termos de preços, que geralmente são mais baixos.

Nesse cenário, a crescente importação de produtos chineses tem exercido um impacto considerável no setor produtivo nacional, afetando de forma mais intensa o setor siderúrgico.

Mas o efeito das importações provenientes do país asiático vai além da siderurgia. O fortalecimento da indústria chinesa ao longo das últimas décadas intensificou as relações comerciais entre Brasília e Beijing, enquanto a indústria brasileira perdia competitividade.

De um lado, a vasta oferta de produtos de baixo custo estimula o consumo e pressiona os preços para baixo, beneficiando consumidores e algumas empresas. Por outro, setores inteiros enfrentam ameaças devido à concorrência desleal, resultando em perdas de empregos e no fechamento de fábricas.

Laminação “a quente” de aço na Baosteel, maior empresa siderúrgica da China (Foto: WikiCommons)

No setor siderúrgico, com sua produção em larga escala e preços atrativos, Beijing tem saturado o mercado brasileiro com aço, desencadeando uma crise na indústria da América Latina. A situação vem forçando as indústrias de aço locais a reduzir suas margens de lucro e, em alguns casos, a cortar produção e fechar plantas.

Tal influxo de produtos importados mais baratos não só ameaça a viabilidade econômica das empresas nacionais, mas também coloca em risco milhares de empregos e a sustentabilidade das comunidades que dependem dessa indústria. A qualidade e a conformidade do aço importado também são fontes de preocupação, impulsionando debates sobre regulamentações e políticas comerciais necessárias para proteger a indústria doméstica.

Isso não ocorre somente no Brasil. A América Latina enfrenta um desafio significativo com o problema de vendas abaixo do custo, conhecido como “dumping” no contexto comercial, mais do que muitas outras regiões, segundo a rede BBC.

A China exportou 90 milhões de toneladas de aço, com o Brasil figurando como o sétimo maior destino desses embarques, segundo reportagem da Infomoney. Apenas em aços laminados, mais de 2,5 milhões de toneladas oriundas da China foram importadas, competindo diretamente com empresas brasileiras como CSN, Usiminas e Gerdau, entre outras, dentro de um total de 4,4 milhões de toneladas importadas. Considerando também produtos semiacabados, as usinas chinesas enviaram aproximadamente 3 milhões de toneladas para o Brasil, o que representa cerca de 60% do total importado pelo país.

Para entender a magnitude desse problema, basta observar como a dinâmica entre a região e a maior nação da Ásia mudou ao longo dos últimos vinte e cinco anos.

Inicialmente, em 2000, a América Latina exportou aproximadamente 160 mil toneladas de aço para a China, ao passo que importou cerca de 80 mil toneladas de aço chinês. No entanto, nas décadas seguintes, essa situação se inverteu de maneira dramática. Enquanto as exportações para a China caíram 94% até 2023, as importações de aço chinês aumentaram 8.690%.

Paralelamente, as vendas de matérias-primas da América Latina para a China cresceram quase 1.500%.

Dependência chinesa

Impulsionado pelo aumento nas remessas de minério de ferro, petróleo e soja, as exportações do Brasil para a China aumentaram 49,1% no primeiro bimestre de 2024 em comparação com o mesmo período do ano anterior, de acordo com o Indicador de Comércio Exterior (Icomex) divulgado em março pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre).

O relatório aponta que as trocas comerciais com os chineses representaram 43% do superávit de US$ 11,9 bilhões registrado pela balança comercial brasileira no primeiro bimestre deste ano.

A FGV observa que esse resultado sublinha a dependência do Brasil das compras chinesas, assim como a concentração da pauta de exportações em commodities. Em fevereiro, o superávit da balança comercial brasileira atingiu US$ 5,4 bilhões, estabelecendo um novo recorde para o mês dentro da série histórica da pesquisa.

O texto adverte que o Brasil iniciou o ano com resultados positivos, porém há incertezas quanto à sustentação dessa trajetória de recordes. De acordo com o relatório, “as projeções apontam superávits na faixa de US$ 80 bilhões. Dois pontos merecem atenção. Primeiramente, está relacionado ao crescimento da China, que pode ficar abaixo dos 5% estimados pelo governo chinês, afetando assim o crescimento das exportações brasileiras”.

Duas preocupações merecem destaque, segundo o estudo. A primeira diz respeito ao possível crescimento da China abaixo dos 5% projetados pelo governo chinês, o que poderia impactar negativamente o crescimento das exportações brasileiras. A segunda preocupação, conforme evidenciado pelos dados do Icomex, é a persistente dependência das exportações brasileiras de commodities e do mercado chinês.

Os setores mais afetados

Além do aço, as importações da China têm impactado diversos setores da indústria brasileira. Aqui estão alguns dos setores mais afetados:

Veículos: as importações de veículos da China aumentaram significativamente, registrando um crescimento impressionante de 107%, equivalente a 573 milhões de dólares. Esse aumento reflete uma crescente demanda por veículos elétricos no Brasil. Recentemente, montadoras como BYD GWM anunciaram projetos na América Latina, com destaque para o Brasil, como a produção de baterias pela BYD na Zona Franca de Manaus.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe representantes da BYD Brasil no Palácio da Alvorada, em janeiro de 2024 (Foto: Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto-Flickr)

Máquinas e equipamentos: as importações de máquinas e equipamentos da China para o Brasil cresceram de 10% para 23% entre 2006 e 20202. No primeiro trimestre de 2024, esse setor apresentou um crescimento de 29% nas importações.

Produtos químicos: as importações de produtos químicos da China aumentaram de 10% para 29% entre 2006 e 20202. Em 2024, os produtos químicos para a indústria apresentaram um crescimento significativo de 93%.

Materiais elétricos: as importações de materiais elétricos da China cresceram de 24% para 50% entre 2006 e 2020.

Artigos plásticos: as importações de artigos plásticos da China aumentaram em 26% no primeiro trimestre de 2024.

Produtos de ferro e aço: as importações de produtos de ferro e aço da China aumentaram em 33% no primeiro trimestre de 2024.

Artigos de vidro: as importações de artigos de vidro da China aumentaram em 66% no primeiro trimestre de 2024.

Resposta política

Em resposta a essa situação, políticos e autoridades do Brasil têm trabalhado para implementar uma série de estratégias para fortalecer a competitividade nacional e proteger os interesses comerciais do país.

Uma das medidas foi o fim da medida antidumping da China sobre a carne de frango brasileira, que impedia a competitividade do produto no mercado chinês, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

O Brasil, maior exportador mundial de carne de frango, tem na China seu segundo maior consumidor e principal destino das exportações, que superaram U$ 1,9 bilhão e 679 mil toneladas no último ano. A revogação da medida antidumping pela China aumentou a competitividade do frango brasileiro e beneficiou outros produtores, fortalecendo o setor avícola e as relações comerciais entre os dois países. “O Brasil busca manter um diálogo aberto e cooperativo com a China para promover o desenvolvimento sustentável nas relações comerciais”, disse a pasta em fevereiro.

Além disso, o Brasil tem se concentrado na defesa comercial, com políticas destinadas a atrair investimentos estrangeiros e proteger a indústria doméstica contra a sonegação de impostos e práticas comerciais desleais, segundo a revista Carta Capital.

Nos primeiros meses do terceiro mandato de Lula, uma das iniciativas econômicas foi a imposição de taxas sobre produtos chineses, especialmente mercadorias da Shein e outros marketplaces, que entravam no Brasil com facilidade e causavam queixas do varejo local. Sob a justificativa de combater a evasão fiscal, proteger os produtos brasileiros e atrair investimentos estrangeiros, o governo tem adotado diversas medidas de defesa comercial. Segundo a reportagem, essas ações visam neutralizar os impactos negativos sobre a indústria doméstica decorrentes de importações a preços de dumping, importações subsidiadas ou aumentos repentinos de importações.

O imposto implementado sobre importações chinesas foi de 20%, visando conter o influxo de produtos de baixo custo, especialmente aqueles adquiridos através de plataformas de comércio eletrônico estrangeiras com valor inferior a 50 dólares (R$ 264).

A decisão foi recebida com surpresa pelo gigante chinês de varejo online AliExpress, que argumentou que a medida afetaria principalmente os consumidores de baixa renda e poderia desestimular o investimento estrangeiro.

Taxa da blusinha

A reação dos brasileiros à taxa de 20% sobre importações chinesas foi dividida. O varejo interno apoiou a medida, argumentando que os produtos chineses, sem a taxação, criariam uma concorrência desleal. Em contraste, os consumidores manifestaram preocupações sobre o aumento dos preços e a diminuição da variedade de produtos disponíveis.

O Senado aprovou a taxação sobre compras internacionais de até US$ 50, chamada de “taxa das blusinhas”, que afetará principalmente as compras em sites estrangeiros. A medida busca aumentar a arrecadação fiscal e proteger o mercado interno, mas também pode resultar em custos mais altos para os consumidores brasileiros, segundo reportagem do G1.

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