China fortalece alianças diplomáticas e coloca os EUA contra a parede

Nas Américas e na região da Ásia e Pacífico, cada vez mais países se voltam a Beijing, enquanto Washington busca reatar velhos laços

A crescente influência chinesa no mundo salta aos olhos. Um bom termômetro é a América Latina. Nos últimos anos, a China emergiu como o segundo maior parceiro comercial da região, perdendo apenas para os Estados Unidos, à medida que canalizou investimentos para setores cruciais, como energia e mineração, e outros projetos de infraestrutura em geral. Há um projeto ambicioso em andamento para “dominar” o sul do continente e fazer dele um novo quintal de Beijing.

Com tal objetivo em mente, a China consolidou um novo pacto com líderes da América Latina e do Caribe, visando aprofundar os laços em praticamente todos os setores da sociedade, uma iniciativa que alguns analistas enxergam como uma estratégia de “domínio” regional, segundo artigo do jornal Daily Mail. O cenário atual é diametralmente oposto ao de 20 anos atrás, quando a presença econômica e política chinesa nas Américas era mínima.

No âmbito desse acordo, Beijing se comprometeu a fornecer à região tecnologia nuclear para uso civil, colaborar no desenvolvimento de programas espaciais de cunho pacífico, implementar redes 5G – apesar dos alertas de Washington sobre possíveis usos para espionagem, caso da Huawei – e oferecer empréstimos a juros baixos e financiamento para ambiciosos projetos de desenvolvimento.

Além disso, o gigante asiático assumiu o compromisso de construir escolas e apoiar cursos que promovam o ensino da língua e cultura chinesas, como por exemplo os Institutos Confúcio, programas públicos de promoção educacional e cultural mantidos pela Fundação de Educação Internacional Chinesa. No entanto, tais iniciativas têm sido alvo de críticas em países como EUA e Reino Unido, devido à suspeita de promoverem propaganda estatal e restringirem a liberdade acadêmica.

Afora a influência cultural, a China continua a liderar o comércio com as principais economias da América Latina, incluindo Brasil, Chile e Peru. Analistas projetam que essa tendência permanecerá, com o volume de comércio entre China e América Latina dobrando nos próximos dez anos.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe representantes da BYD Brasil no Palácio da Alvorada, em janeiro de 2024 (Foto: Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto-Flickr)

Os produtos chineses são cada vez mais populares na região devido aos preços acessíveis, abrangendo desde carros até eletrônicos. Recentemente, montadoras como BYD e GWM anunciaram projetos na América Latina, com destaque para o Brasil, como a produção de baterias pela BYD na Zona Franca de Manaus.

Entretanto, segundo a rede Deutsche Welle (DW), a relação comercial é desigual, com a América Latina fornecendo principalmente matérias-primas à China, como ferro, alumínio e estanho. Por exemplo, o Chile registrou um superávit de exportação de cerca de US$ 10 bilhões com a China em 2021, impulsionado principalmente pelas exportações de cobre e cerejas dos Andes. No entanto, o Chile não representa um mercado significativo para a economia chinesa em termos de importações.

Cooperação

Em 2022, a China e a CELAC, uma aliança de Estados da América Latina e do Caribe que abrange quase todos os países da região, incluindo grandes atores como Brasil, Argentina, Colômbia, Venezuela, Uruguai e Chile, assinaram um acordo abrangente chamado “Plano de Ação Conjunta para Cooperação em Áreas-Chave“. O pacto delineia as relações entre os países envolvidos até 2024, com foco na cooperação entre governos, bancos, empresas e instituições educacionais.

Embora contenha compromissos gerais, como preservar o meio ambiente e promover a sustentabilidade, certos aspectos chamam a atenção. Um deles é o intercâmbio de tecnologia nuclear e o desenvolvimento de projetos práticos nessa área, incluindo o treinamento de cientistas nucleares. O acordo enfatiza a natureza pacífica dessas iniciativas e promove o desarmamento nuclear, mas levanta preocupações devido à possibilidade de uso dual da tecnologia nuclear.

A crescente presença de empresas chinesas no setor de defesa também preocupa Washington, especialmente no que diz respeito à cooperação nuclear na América do Sul.

O compromisso da China em desenvolver programas espaciais para a “exploração pacífica do espaço” também incomoda o Ocidente, segundo o Daily Mail. No passado, Beijing tentou disfarçar o lançamento de satélites espiões como naves de “comunicação” e negou as acusações de testes de uma bomba nuclear orbital hipersônica, alegando ser uma nave espacial civil para a “exploração pacífica do espaço”.

EUA buscam reaproximação

Enquanto isso, Washington, que tradicionalmente tinha esses países como seu “quintal”, está buscando intensificar seus investimentos na região para fazer frente à expansão do seu principal rival econômico após um período marcado por uma problemática falta de atenção à região – desde que assumiu o cargo em 2021, o presidente Joe Biden fez apenas uma viagem para a região, e, de 2017 a 2020, o então presidente Donald Trump também só apareceu para os lados de cá uma única vez, para participar da cúpula do G20 na Argentina, lembrou a revista Newsweek.

Agora a atmosfera é outra, já que o potencial energético da América Latina ganhou destaque no cenário internacional, tornando-a uma prioridade para o Ocidente.

Há uma corrida para compensar o prejuízo. Enquanto os Estados Unidos diminuíram seu envolvimento na região, a China fortaleceu seus laços comerciais e investimentos em infraestrutura, aproveitando o amplo mercado e os recursos naturais abundantes.

Países como o México têm lugar cativo nas ambições da Casa Branca, segundo os especialistas ouvidos pela DW, Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas na Eurasia, e Julia Thomson, pesquisadora da mesma consultoria, beneficiando-se da proximidade com os EUA e da estratégia de nearshoring, que busca garantir a cadeia de suprimentos em países aliados e mais próximos dos mercados consumidores.

No Congresso norte-americano, avança o projeto de lei de investimento dos EUA, que busca fortalecer o nearshoring na América Latina com um aporte de US$ 14 bilhões e redução de impostos. Enquanto isso, a secretária de Comércio dos EUA, Gina Raimondo, considera incluir o Brasil nos investimentos em semicondutores. No entanto, o ex-embaixador brasileiro na China, Marcos Caramuru, expressa ceticismo sobre a capacidade dos EUA de competir com os investimentos chineses na região, apontando para diferenças no modelo empresarial de cada país.

Ásia e Pacífico

Essa queda de braço geopolítica em curso também ocorre na região da Ásia e Pacífico, onde as populações locais podem se ver tanto beneficiadas quanto impactadas negativamente por essa disputa entre as duas potências.

A influência política e cultural chinesa na região é particularmente marcante em países como Camboja, Laos e Paquistão, nos quais Beijing tem feito grandes investimentos em projetos de infraestrutura, energia e transporte. Embora esses investimentos tenham impulsionado o crescimento econômico, gerando empregos e melhorando a infraestrutura, também aumentaram a dependência das nações em relação à China.

E há as ramificações militares. No Camboja, em Sihanoukville, no Golfo da Tailândia, uma posição estratégica no Indo-Pacífico, uma base militar capaz de acomodar qualquer navio da frota da Marinha do ELP (Exército de Libertação Popular), incluindo seu novo porta-aviões Type 003, está em construção.

Cidade de Sihanoukville, no Camboja, onde a China financiou uma base militar (Foto: WikiCommons)

No Laos, a iniciativa Nova Rota da Seda (BRI, da sigla em inglês) construiu a ferrovia China-Laos, avaliada em US$ 5,9 bilhões, e aproximou o pequeno país de seu objetivo de ter acesso ao mar, mesmo não possuindo litoral. No entanto, quase dois anos após a inauguração da ferrovia em dezembro de 2021, os benefícios econômicos desse investimento não foram igualmente distribuídos. Parte das classes menos favorecidas tem problemas, particularmente a dos agricultores. Além disso, a dívida do país disparou.

No Paquistão, há o porto de Gwadar, obra também financiada pela BRI. O Corredor Econômico China-Paquistão é outro projeto ambicioso. No entanto, cidadãos chineses têm sido regularmente alvo de separatistas balúchis. A rejeição à China está atrelada à relação comercial entre Beijing e Islamabad, que inclui uma série de projetos de infraestrutura chineses no Baluchistão, mas a população argumenta que não teve retorno à altura da exploração.

Em termos de impacto econômico, os investimentos chineses têm sido uma fonte importante de financiamento para muitos países da região, mas também têm levantado preocupações sobre o endividamento crescente e a possibilidade de uma “armadilha da dívida”. Além disso, a competição com produtos chineses muitas vezes baratos tem prejudicado as indústrias locais em alguns países, resultando em perda de empregos e desequilíbrios comerciais.

A BRI, aliás, mudou o foco e tem investido cada vez mais no resgate de parceiros endividados. Em uma espécie de “morde e assopra”, a prioridade agora é usar o dinheiro para resgatar países que se endividaram devido à própria iniciativa chinesa. O grande problema para os credores chineses é que muitos devedores estão insolventes ou sem liquidez, e as parcelas atrasadas já começaram a pipocar. O instituto AidData calcula que “80% da carteira de empréstimos estrangeiros da China no mundo em desenvolvimento apoia atualmente países em dificuldades financeiras.”

Washington corre atrás do prejuízo

Não é só a América Latina. A região da Ásia e Pacífico é também a bola da vez para o governo norte-americano, que vem se esforçando para conter a influência crescente da China. Na semana passada, Washington reforçou seu compromisso com a defesa das Filipinas, conforme cresce a animosidade entre o país e Beijing. Paralelamente, aprovou uma lei que concederá bilhões de dólares em financiamento a três pequenas nações insulares com importância estratégica que vinham sendo seduzidas pelos chineses.

Tanto em um caso quanto em outro, o governo norte-americano deixou bem claro que sua preocupação é com a agressividade chinesa, tanto no âmbito militar quanto diplomático. E perder esta corrida não é uma alternativa.

A questão filipina é mais delicada e pode ter desdobramentos a curto prazo, com Manila e Beijing na disputa pelas lucrativas águas do Mar da China Meridional. Têm se acumulado os incidentes envolvendo embarcações dos dois países, desde pesqueiros até navios da Guarda Costeira.

Esse problema, entretanto, não é o único que tem exigido intervenção frequente dos EUA na região. Uma preocupação paralela é com o aumento da presença da China nas nações insulares do Indo-Pacífico, firmando acordos de investimento e segurança que preocupam acima de tudo as nações vizinhas, como Austrália e Nova Zelândia.

Para não perder ainda mais espaço, o Legislativo norte-americano aprovou na semana passada uma lei que oferece US$ 7,1 bilhões em investimentos, ao longo de 20 anos, a Palau, Micronésia e Ilhas Marshall, três pequenas nações insulares que vinham sofrendo pressão para aceitar propostas semelhantes de Beijing. Os EUA precisam agir globalmente, dividindo-se entre leste e oeste, conforme a China concentra cada vez mais poder diplomático e até militar.

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