Na sexta-feira (4), o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, solicitou ao Ocidente que retire as sanções contra o Afeganistão e que assuma a “responsabilidade” pelos esforços de reconstrução do país, que está sob o controle do Taleban há três anos. As informações são do The Moscow Times.
Lavrov não confirmou se a Rússia retiraria a classificação do grupo radical que tomou o poder em 2021 como uma “organização terrorista”. Ele pediu aos países ocidentais que assumissem a responsabilidade pela reconstrução do Afeganistão, levantassem as sanções e devolvessem os ativos confiscados de Cabul.
O Taleban tem enfrentado sanções ocidentais há mais de 20 anos, inicialmente impostas para bloquear o financiamento da Al-Qaeda e de outros grupos considerados “terroristas”.
A própria Rússia já tomou uma “decisão de princípio” para remover o Taleban de sua lista de organizações terroristas, afirmou Zamir Kabulov, enviado de Vladimir Putin para o Afeganistão, na sexta-feira (4), segundo a agência estatal russa TASS.
De acordo com Kabulov, o Ministério das Relações Exteriores e o serviço de segurança da Rússia estão finalizando os detalhes legais dessa remoção, e ele espera que a decisão final seja anunciada em breve.
O Taleban foi incluído na lista negra da Rússia em 2003 por apoiar separatistas no Cáucaso do Norte.
Agências de notícias estatais informaram que Alexander Bortnikov, chefe da agência de segurança russa FSB, declarou na sexta-feira seu desejo de estabelecer uma cooperação “mutuamente benéfica” com os serviços especiais do Afeganistão.
O ministro das Relações Exteriores afegão, Amir Khan Muttaqi, esteve em Moscou para negociações. Lavrov afirmou que a Rússia não permitirá a instalação de bases militares por “terceiros países” no Afeganistão ou em nações vizinhas. A Rússia mantém uma importante base militar no Tajiquistão, que faz fronteira com o Afeganistão.
Os países têm histórico de conflito. A incursão soviética no Afeganistão (1979-1989) começou em dezembro de 1979, quando a União Soviética invadiu o país para apoiar o governo comunista contra insurgentes mujahidins. Embora justificada pelo Tratado de Amizade Soviético-Afegão, a guerra foi marcada por combates intensos, com os mujahidins recebendo apoio de países como EUA e Paquistão. A União Soviética mobilizou cerca de 620 mil soldados, mas enfrentou grandes dificuldades devido ao terreno montanhoso e à guerrilha afegã.
Interesse no BRICS
O Taleban, que desde agosto de 2021 retomou o governo de fato do Afeganistão, pediu à Rússia para ser convidado a participar da próxima cúpula do BRICS, que acontecerá na cidade de Kazan entre os dias 22 e 24 de outubro. Até o momento, entretanto, Moscou não divulgou uma decisão a respeito.
“O BRICS é um fórum econômico importante e, como uma economia em desenvolvimento, o Afeganistão precisa participar de tais encontros econômicos”, afirmou Hamdullah Fitrat, porta-voz adjunto do Taleban em mensagem de vídeo. “O Emirado Islâmico está buscando uma presença no próximo fórum do BRICS, e o pedido foi formalmente comunicado à nação anfitriã”, acrescentou, citando a nomenclatura usada pelos radicais para se referir ao país.
Embora exerçam o poder de fato no Afeganistão, os talibãs não contam com reconhecimento formal de nenhuma nação. A própria Rússia não trata os radicais como legítimos governantes, apesar de os dois países terem iniciado uma aproximação lenta desde agosto de 2021.
O isolamento afegão
Questões de direitos humanos representam o maior obstáculo à reinserção do Afeganistão na comunidade internacional. Sobretudo a repressão imposta às mulheres, que é classificada por muitos países e entidades humanitárias como apartheid de gênero.
As restrições às afegãs incluem a proibição de estudar, trabalhar e sair de casa sem a presença de um homem. Isso resulta na perda de emprego para muitas mulheres no país, contribuindo assim para o empobrecimento da população em geral.
A situação tornou-se ainda mais difícil nas últimas semanas, após a imposição de um pacote de regras anunciado em agosto que proíbe uma série de atividades, incluindo o uso de transporte público, a execução de música e a realização de celebrações.
Entre as rígidas regras impostas, o artigo 13 exige que as mulheres cubram todo o corpo, incluindo o rosto, em público para evitar “tentação”. Elas não podem usar roupas que sejam transparentes, apertadas ou curtas. Além disso, devem se cobrir completamente, mesmo na frente de pessoas que não sejam muçulmanas, para prevenir “corrupção”.
As novas leis consideram até a voz da mulher algo “íntimo demais” para ser ouvido em espaços públicos, o que na prática as proíbe de cantar, declamar ou ler em voz alta. Elas também estão proibidas de olhar para homens que não sejam seus familiares próximos, assim como os homens não podem olhar para mulheres que não sejam suas parentes.
O documento, com 114 páginas e 35 artigos, é a primeira declaração oficial de leis sobre vícios e virtudes desde que o Taleban retornou ao poder em 2021, representando um passo importante na institucionalização de sua interpretação da lei islâmica.