O Ministério Público do Trabalho (MPT) da Bahia entrou com uma ação judicial contra a montadora chinesa BYD e duas empreiteiras por submeterem trabalhadores a condições análogas à escravidão e por envolvimento em tráfico internacional de pessoas. A ação, anunciada na terça-feira (27), pede R$ 257 milhões em indenizações por danos morais coletivos, conforme relato da agência Associated Press (AP).
A denúncia surgiu após a operação que resgatou 220 trabalhadores chineses no canteiro de obras da nova fábrica da BYD, em Camaçari, na região metropolitana de Salvador. Segundo o MPT, os operários foram trazidos ao Brasil com promessas falsas e vistos de entrada que não correspondiam às funções que exerciam.
Além da BYD, também são réus na ação as empresas China JinJiang Construction Brazil e Tecmonta Equipamentos Inteligentes, responsáveis por parte da execução das obras. O MPT aponta que os alojamentos eram superlotados, insalubres e com ausência de condições básicas de dignidade e segurança.
“Condições de trabalho extremamente degradantes. Cinco alojamentos eram mantidos por BYD, JinJiang e Tecmonta. Alguns trabalhadores dormiam em camas sem colchões e mantinham seus pertences pessoais junto com os alimentos”, diz o MPT. “Havia poucos banheiros, sem divisão por gênero. Em um dos alojamentos, havia apenas um vaso sanitário para 31 pessoas, o que forçava os trabalhadores a acordarem às 4h da manhã para fazer a higiene pessoal antes do trabalho.”

A montadora se manifestou em meio às denúncias, dizendo estar colaborando com as investigações desde o início e prometendo se manifestar no decorrer do processo. A empresa também afirmou que respeita as leis do Brasil e as normas internacionais de trabalho.
Em dezembro, a empresa reagiu às acusações, criticando os relatos sobre as más condições de trabalho e alegando que se tratava de uma tentativa de prejudicar a imagem do país.
A expansão chinesa na América Latina e o impacto nas condições trabalhistas
As denúncias envolvendo a fábrica da BYD na Bahia não são caso isolado. Desde o início do século 21, a presença chinesa na América Latina tem crescido de forma acelerada, especialmente por meio de investimentos em infraestrutura e energia. Contudo, junto das oportunidades econômicas surgem preocupações relacionadas ao desrespeito aos direitos trabalhistas, tanto de trabalhadores locais quanto dos próprios operários chineses deslocados para a região.
Li Qiang, diretor-executivo da organização China Labor Watch, alertou em junho de 2023, em entrevista à reportagem de A Referência, que práticas como confisco de passaportes, trabalho forçado e tráfico de pessoas têm sido relatadas em projetos chineses no exterior. Segundo ele, essas ações não apenas violam a dignidade dos trabalhadores, mas também afetam negativamente os padrões trabalhistas nos países anfitriões, criando ambientes de competição desleal entre operários locais e chineses.
O caso da BYD no Brasil reflete um padrão observado em outras partes do mundo, como a Indonésia, onde greves recentes foram marcadas por confrontos violentos em fábricas controladas por empresas chinesas. Relatos de abusos, condições precárias e tratamento humilhante têm levado a reações por parte de autoridades locais e organizações de direitos humanos, que pedem fiscalização rigorosa e responsabilização das companhias envolvidas.
Em novembro de 2024, a China Labor Watch reatou outro episódio, na Sérvia, onde pessoas empregadas em projetos ligados à Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative) vivem sob condições de trabalho exploratórias e em desacordo com padrões internacionais de direitos humanos.
As investigações concentraram-se em duas empresas chinesas: a mineradora Zijin e a fábrica de pneus Linglong. Segundo o relatório, os trabalhadores são originários de países como Índia, Nepal e Zâmbia e enfrentam situações que violam as normas internacionais.
Como no Brasil, muitos dos trabalhadores das empresas na Sérvia têm seus passaportes confiscados assim que chegam ao país, e a eles são impostas taxas de recrutamento que variam entre US$ 1,4 mil US$ 4,8 mil, o que pode representar até um ano e meio de salário.
Ao analisar o caso sérvio, a China Labor Watch reforça que as violações refletem não apenas práticas locais, mas uma extensão de abusos identificados sobretudo em outros projetos inseridos na BRI, da qual o Brasil não participa. O relatório ainda denuncia a falta de fiscalização por parte das autoridades sérvias e chinesas, além de lacunas regulatórias internacionais, que perpetuam o problema.