O volume crescente de investimento estrangeiro direto (IED) proveniente da China em economias globais tem levado diversos países a implementarem mecanismos de controle, com objetivo de proteger setores estratégicos e assegurar a soberania econômica. O dinheiro chinês tem aumentado particularmente na América Latina, gerando alerta de especialistas e governos estrangeiros sobre os riscos desse processo e possíveis interesses camuflados do governo chinês.
“O papel da China na América Latina e no Caribe cresceu rapidamente desde a virada do século, prometendo oportunidades econômicas, mas também levantando preocupações sobre a influência de Beijing”. diz a especialista em relações internacionais Diana Roy em artigo para o think tank Council of Foreign Relations (CFR).
O caso México se destaca. Por lá, a presença chinesa é vista com desconfiança pelos vizinhos norte-americanos, sob a alegação de que Beijing usa suas empresas em território mexicano para facilitar a entrada de produtos chineses nos Estados Unidos, potencialmente burlando acordos comerciais como o USMCA (Acordo Estados Unidos-México-Canadá).
Em resposta, o governo mexicano tem alinhado suas políticas comerciais com as dos EUA e do Canadá, impondo tarifas a importações asiáticas e reforçando a supervisão aduaneira para preservar a integridade dos acordos comerciais regionais.
A presidente Claudia Sheinbaum também anunciou o “Plano México”, uma estratégia destinada a reduzir o déficit comercial com a China e atrair investimentos. De acordo com o jornal Financial Times, o plano inclui metas específicas, como a substituição de 15% das importações de determinados produtos por fornecimentos domésticos, visando fortalecer a indústria nacional e mitigar a dependência de importações chinesas.

Além disso, a nova administração mexicana está considerando a implementação de incentivos fiscais para atrair investimentos estrangeiros em setores como veículos elétricos, semicondutores e eletrônicos. O objetivo é posicionar o México como uma alternativa viável para empresas que buscam aproximar suas cadeias de suprimentos de seus principais mercados, sobretudo o norte-americano, especialmente em um período de intenso protecionismo nos Estados Unidos.
A situação da América do Sul
A postura do México acompanha a de muitos países, cada vez mais adotando mecanismos de controle. Nos EUA, que lideram o ranking global de entrada de IED com fluxo de US$ 310,9 bilhões em 2023, a regulação cabe ao Comitê de Investimentos Estrangeiros, que em 2018 foi fortalecido pela Lei de Modernização da Revisão de Riscos de Investimento Estrangeiro (FIRRMA). A União Europeia (UE) adotou medida semelhante em 2020, com regras mais rígidas para “identificar, avaliar e mitigar riscos potenciais à segurança ou à ordem pública” gerados pela entrada de IED.
“Desde 2018, mais da metade dos 38 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma organização multilateral que serve para impulsionar o comércio global, introduziram mecanismos de triagem de investimento intersetorial ou multissetorial”, afirma o professor Bob Savic, consultor em assuntos fiscais, jurídicos e econômicos da Geopolitical Intelligence Services (GIS), uma organização focada na análise e produção de relatórios sobre geopolítica, economia e segurança global. “Preocupações com a segurança estão por trás dessa tendência.”
A América do Sul ilustra essas preocupações de forma clara. Na região, o aumento da presença econômica chinesa é especialmente notável em nações como Brasil e Argentina, que vêm atraindo consideráveis aportes em áreas como infraestrutura e energia. Essa dinâmica gera uma inquietação relacionada à dependência financeira e à potencial redução de soberania em setores estratégicos.
Juliana González Jáuregui, pesquisadora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina, destacou em setembro de 2024, em entrevista ao site Dialogue Earth, o papel de empresas chinesas no setor energético argentino.
“A China e suas empresas estatais e privadas têm sido decisivas para a transição energética argentina, tanto direta quanto indiretamente”, disse ela, ressaltando a desvantagem dos parceiros ocidentais nessa disputa. “A Europa e os EUA ainda não entenderam a importância de se movimentar em nível subnacional na Argentina, algo que a China conseguiu de forma rápida e significativa.”
Segundo González, a situação é semelhante no setor energético brasileiro, particularmente no eólico e no solar. Nestes, a presença chinesa no Brasil é ainda mais forte que na Argentina, de acordo com a pesquisadora.
Roy reforça tal avaliação. “As empresas estatais da China são grandes investidores nas indústrias de energia, infraestrutura e espaço da região, e o país ultrapassou os Estados Unidos como o maior parceiro comercial da América do Sul”, afirma a especialista do CFR.
Brasil: um mercado liberal
Essa conjuntura tem intensificado o debate sobre a necessidade de mecanismos de controle mais robustos no Brasil. O país é o quinto que mais recebeu IED em 2023 no mundo, com uma entrada de US$ 65,9 bilhões em 2023, segundo dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). Com poucas barreiras legais, é considerado um mercado liberal na captação desse fluxo financeiro.
“Esta é uma questão muito importante e que tem atraído muita atenção do governo brasileiro, assim como do setor privado”, disse à reportagem de A Referência, em outubro de 2024, Fábio Morosini, professor de Direito Internacional na Faculdade de Direito da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). “É verdade que muitos países, especialmente do Norte Global, tem instituído políticas de monitoramento para a entrada de investimentos estrangeiros direito, a fim de salvaguardar interesses essenciais, como os de segurança nacional amplamente entendida.
O Brasil conta com mecanismos de proteção esparsos, mas carece de um órgão centralizador e mesmo de regras mais rígidas. Essa abordagem pode ser interpretada como uma tentativa de atrair mais investimento estrangeiro, oferecendo um ambiente mais receptivo e com menos burocracia. No entanto, a flexibilidade também pode acarretar riscos, como a ausência de proteção suficiente contra práticas desleais e a chance de desvalorização de ativos.
Na visão de especialistas, o dinheiro chinês não chega à América do Sul livre de interesses. “Beijing também expandiu sua presença cultural, diplomática e militar por toda a região. Mais recentemente, a China comemorou a abertura de um novo megaporto no Peru como parte de sua Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative)”, relata Roy.
É aí, segundo ela, que as preocupações se justificam. “Os Estados Unidos e seus aliados temem que Beijing esteja usando essas relações para perseguir seus objetivos geopolíticos — como o isolamento adicional de Taiwan — e reforçar regimes autoritários como os de Cuba e Venezuela”, diz a especialista do CFR, prevendo uma turbulência mais severa com Washington a partir de agora. “A segunda presidência de Donald Trump pode pressagiar uma abordagem mais conflituosa.”