A possível proibição do TikTok nos Estados Unidos reacendeu o debate sobre os riscos que o aplicativo, controlado pela chinesa ByteDance, pode representar para a segurança nacional. As acusações de que dados de milhões de usuários poderiam ser acessados pelo governo da China colocam o aplicativo no centro de uma disputa geopolítica que vai além do universo tecnológico
Nos EUA, as preocupações giram em torno da coleta de dados, como números de telefone, localização, listas de contatos e padrões de uso. Embora a ByteDance tenha declarado que os dados são armazenados em servidores fora da China, como nos EUA e em países europeus, a possibilidade de que parte deles seja processada em território chinês levanta suspeitas.
A Suprema Corte dos EUA recentemente validou argumentos sobre a ameaça potencial do aplicativo, mesmo reconhecendo que as alegações carecem de provas conclusivas de vigilância em massa. A plataforma chegou a ser retirada do ar, mas retornou mediante a promessa do presidente Donald Trump de remover o veto. Ele emitiu uma ordem executiva para que nenhuma atitude seja tomada contra a rede social em um prazo de 75 dias.
Apesar de contar com o apoio de Trump atualmente, foi o próprio presidente quem liderou a cruzada guerra contra o Tiktok durante seu primeiro mandato. Hoje, sobretudo nos EUA, mas também em outras nações ocidentais, parece mais fácil encontrar quem defenda a abordagem inicial do chefe da Casa Branca em detrimento da postura liberal de agora.
Erik Fretheim, diretor do programa de segurança cibernética da Western Washington University, elencou as razões que justificam o temor. “Primeiro, o TikTok foi e continua sendo usado de forma extensiva para influenciar a opinião pública”, diz ele. “Segundo, os chineses têm uma longa história de coleta, cotejo e uso de informações sobre indivíduos para sua vantagem.”

Fretheim destaca ainda um argumento que vem sendo pouco explorado: o uso de informações coletadas que, quando combinadas, permitem atacar indivíduos financeiramente e de outras maneiras. O artigo cita um exemplo: “A maioria das pessoas deixa pistas sobre suas senhas em suas mídias sociais. Isso, combinado com informações sobre onde eles fazem negócios e sua agenda, pode ser usado para criar um ataque cibernético que limpa uma conta bancária ou investimentos, sem que o usuário esteja ciente.”
Europa cautelosa
No Reino Unido, a abordagem tem sido mais contida, conforme relata o jornal The Guardian. Em março de 2023, o TikTok foi proibido em dispositivos de ministros e servidores públicos por precaução contra possíveis vazamentos de informações, embora um banimento nacional tenha sido descartado.
Especialistas apontam que o problema de privacidade no TikTok é parte de uma questão mais ampla. Ciaran Martin, ex-chefe da agência de cibersegurança do Reino Unido, observou que o modelo de coleta de dados de redes sociais em geral está “quebrado”, tornando o aplicativo apenas mais um exemplo em um cenário já comprometido.
O secretário do Tesouro britânico Darren Jones reforça a abordagem comedida, dizendo que a rede social chinesa não parece uma ameaça “para consumidores que querem postar vídeos de seus gatos ou dançar”.
Ainda assim, a Europa não tira os olhos da plataforma. Em novembro de 2024, o CEO do TikTok, Shou Zi Chew, foi convocado a prestar esclarecimentos no Parlamento Europeu em meio às denúncias de que a plataforma teria sido usada para manipular as eleições presidenciais da Romênia.
Conforme relatou o site Politico na oportunidade, a vitória de Calin Georgescu, ultranacionalista e pró-Rússia, no primeiro turno surpreendeu o país e a União Europeia (UE), levantando preocupações sobre desinformação e radicalização.
“A Romênia é um sinal de alerta: a radicalização e a desinformação podem acontecer em toda a Europa com consequências prejudiciais,” alertou Valérie Hayer, líder do grupo liberal europeu Renovar a Europa, durante uma coletiva de imprensa. Ela também exigiu que o TikTok comprove que sua atuação não infringiu a Lei de Serviços Digitais (DSA), legislação europeia que regula o conteúdo online.
O TikTok e a repressão chinesa
O debate em torno do TikTok é antigo e gira em torno sobretudo da entrega de informações pessoais dos usuários ao governo da China por parte da ByteDance. O principal risco enxergado por governos ocidentais é o de que a empresa tenha legalmente o dever de se reportar a Beijing.
A Lei de Inteligência Nacional da China, de 2017, estabelece que empresas locais devem “apoiar, cooperar e colaborar com o trabalho de inteligência nacional”, o que teoricamente as obriga a atender a eventuais demandas do governo por informações cadastrais.
Apesar de suas alegações em contrário, o aplicativo é acusado de colocar em risco não apenas os dados que armazena, mas todo o conteúdo do aparelho em que esteja instalado. Estudo divulgado em 2022 pela empresa australiana Internet 2.0, especializada em cibersegurança, diz que a plataforma chinesa é “excessivamente intrusiva” e realiza uma “excessiva” coleta de dados de quem o acessa.
A Internet 2.0 decifrou o código-fonte e identificou como uma série de dados está sendo direcionada aos servidores da ByteDance sem que o usuário perceba. O fato de os servidores estarem conectados a uma das gigantes chinesas nos serviços de nuvem e segurança cibernética coloca a plataforma ainda mais perto do Partido Comunista Chinês (PCC).