China teria implantado a Huawei nas Ilhas Maurício para espionar a Índia

Sherry Singh, ex-CEO da da principal empresa de telecomunicações da nação insular, teria facilitado os interesses de Beijing na região do Oceano Índico

Novas evidências apontam para fortes conexões entre o ex-CEO da Mauritius Telecom (MT), Sherry Singh, conhecido por suas opiniões anti-Índia, e a chinesa Huawei. O antigo chefe da principal empresa de telecomunicações das Ilhas Maurício é acusado pelo governo local de explorar processos licitatórios para favorecer a multinacional, que é alvo de desconfianças globais. As informações são da rede Asianet News.

As autoridades da pequena nação insular africana estão no encalço de Singh por possíveis crimes relacionados à violação da lei de tecnologias de informação e comunicação, além de disseminação de notícias falsas e difamação. Além disso, ele teria ajudado a Huawei a receber contratos de centenas de milhões de rúpias, o que fomentou o crescimento das operações da empresa no país.

Sherry Singh, ex-CEO da Mauritius Telecom (MT), renunciou ao cargo em julho (Foto: Twitter/Reprodução)

Anos atrás, o desenvolvimento da rede 3G nas Ilhas Maurício teve papel fundamental da Huawei. A polêmica em torno de contratos concedidos durante esse período, no qual Singh ainda era diretor-executivo da MT, surgiu porque ele teria facilitado os interesses da China na região do Oceano Índico. Tanto que o suposto conluio entre a empresa que dirigia e o governo chinês foi classificado como uma aliança “profana”.

Entre 2006 e 2007, a Huawei recebeu contratos no valor de centenas de milhões de rúpias. Na gestão de Singh, esses contratos saltaram para bilhões. Principalmente a partir de 2015, com o projeto Cidades Seguras, que inclui reconhecimento facial e foi orçado em 19 bilhões de rúpias mauricianas (R$ 2,18 bilhões).

Segundo o portal India Narrative, a MT possui estreitas ligações com Beijing, sendo sancionada em diversos países, incluindo Índia, EUA, Reino Unido, Austrália e Canadá por motivos de segurança.

Singh renunciou ao cargo em julho, usando como justificativa uma ordem dada pelo primeiro-ministro Pravind Jugnauth de fornecer uma estação de cabo submarino em uma ilha nas Maurício para uso da RAW (agência de inteligência indiana). O episódio inclusive repercutiu em um pedido da oposição para a demissão do premiê, alegando “perigo para a soberania da nação”.

Jugnauth negou as alegações de Singh. Ao Legislativo e à imprensa, explicou que, na verdade, havia pedido à Índia o apoio de uma equipe técnica para fazer um estudo de segurança estatal de um local de pouso na região.

As Ilhas Maurício mantêm laços com a Índia, particularmente por terem uma grande população originária de lá. Por conta disso, os comentários de Singh, associados a sua postura anti-Índia, foram interpretados como contrários aos interesses da nação insular.

“A questão maior envolve uma avaliação completa da extensão em que a Huawei ou outras empresas de telecomunicações chinesas fizeram incursões nos sistemas de segurança de outros países”, disse Abhijnan Rej, pesquisador e consultor com foco em segurança e geopolítica asiáticas.

Segundo ele, as Maurício são naturalmente importantes para a Índia devido à localização, mas é preciso “dar uma olhada mais profunda na penetração geral do ecossistema de telecomunicações chinês, que é fundamental para o mecanismo de vigilância da China”.

O episódio nas Ilhas Maurício serve para ilustrar as desconfianças de como Beijing estaria usando sua rede de telecomunicações para aumentar o poderio de vigilância estatal ao redor do mundo. 

Por que isso importa?

Huawei enfrenta crescente desconfiança global na construção de redes 5G, com sua presença rejeitada em vários países. AustráliaNova ZelândiaCanadáEstados Unidos e Reino Unido, por exemplo, baniram a infraestrutura da fabricante por medo de que a China possa usá-la para espionagem

A desconfiança é baseada na suposta proximidade da companhia com o governo chinês. Autoridades ocidentais citam a Lei de Inteligência Nacional da China, de 2017, segundo a qual as empresas nacionais devem “apoiar, cooperar e colaborar com o trabalho de inteligência nacional”, o que poderia forçar a gigante da telefonia a trabalhar a serviço do Partido Comunista Chinês (PCC).

Sede da chinesa Huawei nos Estados Unidos (Foto: Flickr)

Um caso em particular se enquadra nesse cenário. Em janeiro de 2017, a União Africana descobriu que os servidores de sua sede, na capital etíope Adis Abeba, enviavam diariamente, durante a madrugada, dados sigilosos a um servidor na China e que o prédio estava repleto de microfones escondidos. Os servidores foram trocados, mas um problema semelhante se repetiu em 2020, quando os novos servidores foram invadidos por hackers chineses que roubaram vídeos de vigilância das áreas interna e externa.

Não por coincidência, o prédio havia sido construído com financiamento chinês, por uma construtora chinesa. E os servidores originais, aqueles de 2017, eram chineses. Esse episódio, com o qual Beijing nega ter relação, explica a desconfiança generalizada com a infraestrutura digital proveniente da China.

No Brasil, o aumento da presença da Huawei na rede de telefonia vai na contramão da tendência global. São da empresa chinesa mais de 80% das antenas que retransmitem sinal das atuais redes 2G, 3G e 4G brasileiras. E, de acordo com conteúdo patrocinado publicado em portais como O Globo em maio de 2021, a companhia dizia ser responsável por mais de cem mil quilômetros de fibra óptica no país.

A alternativa encontrada pelo governo brasileiro para reduzir o impacto de eventuais brechas de segurança foi a criação de uma rede 5G governamental exclusiva, sem a presença de infraestrutura chinesa. “Hoje, a Huawei não está apta a participar da rede privativa, segundo o que foi colocado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e pela nossa portaria”, disse o ministro das Comunicações, Fábio Faria, no início de novembro, quando foi realizado o leilão das bandas de 5G.

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