ARTIGO: Políticas trabalhistas para uma recuperação econômica mais justa

Economista do FMI debate como reformas no mercado de trabalho podem impulsionar retomada após a pandemia

Este conteúdo foi publicado originalmente no Blog do FMI (Fundo Monetário Internacional)

por John Bluedorn, economista e subchefe da Divisão encarregada do relatório “World Economic Outlook” do Departamento de Estudos do FMI

A destruição de empregos causada pela pandemia de Covid-19 foi rápida e inexorável. Os efeitos duradouros da crise sobre os trabalhadores podem vir a ser igualmente dolorosos e desiguais. 

Os jovens e os trabalhadores menos qualificados estiveram, em média, entre os mais atingidos. As mulheres, sobretudo nas economias de mercados emergentes e em desenvolvimento, também sofreram. Muitos desses trabalhadores enfrentam perdas de renda e dificuldades na busca de oportunidades de trabalho. Mesmo após a pandemia arrefecer, mudanças estruturais na economia na esteira do choque podem significar que as opções de trabalho em alguns setores e ocupações diminuirão permanentemente, enquanto outras crescerão.

Na edição mais recente do nosso relatório World Economic Outlook, examinamos como as políticas podem atenuar os efeitos adversos e desiguais da pandemia. Constatamos que um pacote de medidas para ajudar os trabalhadores a manter o emprego enquanto durar o choque da pandemia, combinado com medidas para estimular a geração de empregos e facilitar o ajuste a novos empregos e ocupações à medida que a pandemia recua, pode amortecer sensivelmente o impacto negativo e melhorar a recuperação do mercado de trabalho.

Trabalhadores em uma fábrica de roupas em Acra, Gana, em imagem de outubro de 2015 (Foto: World Bank/Dominic Chavez)

A automatização ganha força

Os empregos que exigem menos qualificação e são mais vulneráveis à automatização tenderam a ser mais prejudicados durante a recessão provocada pela pandemia. Embora os impactos sobre setores específicos sejam diferentes dos observados em recessões passadas, a pandemia acelerou tendências de emprego preexistentes, reforçando a substituição do emprego em setores e ocupações mais vulneráveis à automatização.

Entre os setores que mais encolheram em decorrência da crise estão os hotéis e restaurantes (hospedagem e alimentação) e as lojas de atacado e varejo (comércio). O distanciamento social e as mudanças de comportamento induzidas pela pandemia intensificaram a queda do emprego nesses setores, que já havia sido comumente observada em retrações passadas. Em contrapartida, os setores de tecnologia da informação e comunicação e de finanças e seguros efetivamente registraram um crescimento do emprego no ano passado. Muitos dos setores mais impactados – em geral aqueles com menos empregos que permitem o trabalho remoto – tendem a empregar uma proporção maior de jovens, mulheres e trabalhadores menos qualificados, contribuindo para os efeitos desiguais entre os diferentes grupos.

Uma retomada difícil

Evidências de recessões passadas sugerem que a pandemia deve impor custos consideráveis aos desempregados, sobretudo aos trabalhadores menos qualificados. Após períodos de desemprego, os trabalhadores costumam se ver obrigados a mudar de ocupação para encontrar um novo posto, o que tende a implicar um corte no salário. Em média, os trabalhadores desempregados que conseguem se recolocar em uma nova ocupação sofrem uma grande perda de renda, da ordem de 15%, em média, em comparação com o que ganhavam antes.

Os trabalhadores menos qualificados enfrentam um golpe triplo: têm maior probabilidade de atuarem nos setores mais prejudicados pela pandemia; estão mais propensos a ficarem desempregados em períodos de retração e, para aqueles que conseguem se recolocar, é mais provável que precisem mudar de ocupação e sofram uma queda na renda.

Para encontrar o equilíbrio certo

Nossa análise mostra como as políticas apropriadas podem ser extremamente eficazes para reduzir as sequelas e os impactos desiguais entre os trabalhadores. Na ausência de medidas para reforçar o mercado de trabalho (um cenário sem políticas), um choque econômico provocado por uma pandemia que atinge as ocupações de forma assimétrica leva a uma forte e rápida elevação do desemprego e a um ajuste vagaroso à medida que as condições econômicas melhoram gradativamente.

Trabalhadores migrantes a caminho das fábricas e campos em Mandalay, Mianmar (Foto: OIM/Ko Oo)

Se a retenção de empregos e o apoio à realocação de trabalhadores forem utilizados como parte de um pacote, o impacto sobre o emprego não é tão grave e os trabalhadores e as empresas conseguem se ajustar mais rapidamente. Essa combinação de apoio na forma de políticas também beneficia desproporcionalmente os trabalhadores menos qualificados, que tendem a sofrer mais com o impacto mais profundo da pandemia sobre atividades que exige contato intensivo mas são menos produtivas.

Medidas destinadas à retenção de empregos – como programas de trabalho de curto prazo (por exemplo, o Kurzarbeit na Alemanha) e subsídios salariais (por exemplo, o novo programa de proteção do salário nos EUA) – ajudam a preservar empregos contra o choque inicial da pandemia, quando o distanciamento social é elevado, e reduzem o desemprego em cerca de 4,5 pontos percentuais abaixo do que ele poderia ser sem esse apoio.

À medida que a pandemia seja superada, políticas para a realocação de trabalhadores – como incentivos à abertura de novas empresas e à contratação de trabalhadores, assistência para ajudar trabalhadores a encontrar novos empregos e programas de (re)qualificação – podem facilitar o ajuste aos efeitos mais permanentes desta crise sobre a estrutura do emprego. Direcionar algumas medidas de política para os segmentos mais afetados (como os jovens) também poderia acelerar a recuperação.

As autoridades precisarão considerar cuidadosamente a trajetória da pandemia (incluídos os casos e as mortes, a extensão das medidas de distanciamento e a distribuição das vacinas) ao decidir se a economia pode suportar uma substituição de medidas que apoiam, sobretudo, os empregos existentes por políticas que visem agilizar a transição dos trabalhadores para setores e ocupações em expansão. O equilíbrio correto das políticas pode reduzir os impactos desiguais da pandemia sobre os trabalhadores e estimular uma recuperação mais rápida do mercado de trabalho.

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