Este artigo foi publicado originalmente em inglês pela revista Foreign Policy
Por Fabian Hoffmann
A Rússia planejou sua invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, como uma campanha decisiva de três dias que levaria suas tropas a Kiev e derrubaria rapidamente o governo ucraniano. Mais de três anos depois, esse cenário continua sendo um devaneio russo. Sofrendo baixas horríveis e perdas de equipamentos, as forças russas estão atoladas ao longo de uma linha de frente estática a centenas de quilômetros de Kiev. Embora a Rússia tenha obtido ganhos táticos incrementais no último ano, não há absolutamente nenhum sinal de uma grande virada militar num futuro próximo.
Mais a oeste, os Estados europeus da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) estão correndo para se rearmar. Vários chefes de defesa da Otan alertam que a aliança deve estar pronta para enfrentar um ataque russo contra um ou mais membros do bloco dentro de três a sete anos. Mais incisivamente, autoridades dinamarquesas alertaram que a Rússia poderia lançar algum tipo de ataque dentro de seis meses após a desaceleração ou o fim da guerra na Ucrânia.
Essas duas imagens da Rússia são difíceis de conciliar: uma Rússia que fracassa miseravelmente em atingir suas ambições na Ucrânia e uma Rússia que representa uma ameaça existencial para a Otan, especialmente para os estados da Europa Oriental.
A chave para esse aparente paradoxo está em compreender que uma guerra entre Otan e Rússia provavelmente seria muito diferente da invasão russa da Ucrânia. O principal objetivo da Rússia em uma guerra contra a Otan não seria tomar grandes territórios — pelo menos não inicialmente — mas destruir a aliança como entidade política e militar capaz de se opor à Rússia. Fazer isso não exigiria derrotar as forças da Otan em batalha aberta e marchar até Berlim.
Em vez disso, implicaria destruir a unidade e a determinação da Otan, com o Kremlin apostando que a aliança se fragmentaria sob pressão. Gerar as forças para essa tática de pressão é algo provavelmente administrável para a Rússia no curto prazo, especialmente uma vez que os combates na Ucrânia tenham desacelerado ou terminado. A Rússia, portanto, representa uma ameaça grave e existencial à Otan de uma forma fundamentalmente diferente do tipo de guerra que vemos na Ucrânia.
Ao contrário da propaganda belicosa da Rússia, as elites políticas e militares de Moscou entendem que a Rússia provavelmente perderia uma guerra convencional total contra a Otan, mesmo sem o envolvimento dos Estados Unidos. Para a Rússia, evitar um conflito prolongado de desgaste e garantir uma resolução rápida e favorável é, portanto, essencial.

Um ataque russo à Otan, portanto, não teria como objetivo principal destruir a capacidade geral da aliança de travar guerra, embora degradar seu potencial militar de curto prazo provavelmente fosse um objetivo inicial. O esforço central se concentraria em minar a determinação e a disposição da Otan para resistir. A Rússia provavelmente favoreceria uma campanha curta e de alta intensidade, projetada para fraturar a coesão política da Otan. O objetivo seria manter o confronto localizado, envolvendo apenas um ou poucos Estados da Otan, no máximo, e encerrá-lo rapidamente.
Um cenário plausível poderia começar com uma incursão limitada em território da Otan em um ponto percebido como fraco — por exemplo, em um ou mais dos Estados bálticos. Após o ataque inicial, a Rússia poderia declarar que qualquer tentativa de retomar a área ocupada desencadearia uma escalada nuclear — uma estratégia que os analistas militares chamam de “santuarização agressiva”. Para reforçar isso, a Rússia poderia armar e dispersar vários mísseis equipados com ogivas nucleares táticas e declarar prontidão para lançá-los a qualquer momento. Se a Otan preparasse um contra-ataque, a Rússia poderia escalar ainda mais atingindo infraestrutura civil no interior da Europa com mísseis armados convencionalmente, sinalizando que a resistência contínua apenas aumentaria os custos. Caso a Rússia concluísse que uma escalada mais drástica serviria a seus interesses, tiros de advertência nucleares no interior europeu não poderiam ser descartados.
Esse tipo de ataque seria uma aposta de alto risco. Ele dependeria da suposição de que, à medida que a determinação da Otan enfraquece sob a pressão de ameaças convencionais e nucleares crescentes, possíveis ataques com mísseis na retaguarda europeia, sabotagem e outras operações na “zona cinzenta”, a aliança capitularia de fato.
Os tomadores de decisão russos provavelmente não antecipam uma rendição uniforme em toda a Otan. Eles certamente esperariam uma forte resistência de alguns membros, particularmente os da Europa Oriental. Ainda assim, o Kremlin pode acreditar que os Estados Unidos e os principais aliados da Europa Ocidental, ao se depararem com consequências reais em seu próprio território, vacilariam e se absteriam de defender seus parceiros. Qualquer relutância em defender um membro da Otan atacado sinalizaria o colapso efetivo da aliança — o principal objetivo da Rússia e uma condição prévia para afirmar sua dominância regional.
A decisão da Rússia de atacar um ou mais Estados europeus da Otan dependeria, portanto, menos do equilíbrio de forças e mais do equilíbrio percebido de determinação. Embora as tropas russas tenham falhado repetidamente na Ucrânia, não há dúvida sobre a determinação da Rússia de reverter a ordem pós-Guerra Fria e restabelecer uma esfera de influência na Europa Oriental. Combinado com o que a Rússia percebe como uma aversão ocidental recorrente ao risco e baixa tolerância à dor, isso cria uma mistura perigosa que poderia tentar os tomadores de decisão russos a agir mais cedo do que tarde.
O que a Rússia precisaria para realizar um ataque limitado como esse?
Primeiro, ela exigiria uma força de ponta capaz de atravessar a fronteira da Otan em um ponto fraco, apoiada por forças de seguimento suficientes para ocupar uma pequena, mas estrategicamente relevante, porção do território da Otan. Atravessar defesas fortificadas se tornou mais difícil na guerra moderna, em grande parte devido à proliferação em larga escala de drones táticos, que infligem pesadas baixas mesmo em pequenos elementos de manobra assim que deixam a cobertura. No entanto, a guerra na Ucrânia também mostra que essas mesmas tecnologias, quando bem empregadas, podem ajudar a superar defesas. Por exemplo, equipes russas de drones desempenharam um papel-chave ao romper posições defensivas ucranianas na região de Kursk e restabelecer o controle. Junto com a Ucrânia, a Rússia agora possui alguns dos pilotos de drone mais capacitados do mundo — experientes, endurecidos pelo combate e provavelmente muito superiores aos seus equivalentes da Otan em um primeiro confronto.

Drones sozinhos, é claro, não vencem guerras. A Rússia também precisaria de forças móveis tradicionais para tomar e manter território: infantaria bem treinada, veículos blindados, tanques e unidades de apoio. Relatórios recentes de inteligência sugerem que a Rússia conseguiu mobilizar homens suficientes não apenas para cobrir perdas em combate, mas para expandir suas forças. Da mesma forma, autoridades ocidentais observam que a Rússia está produzindo mais equipamentos e munições — incluindo tanques modernos (pelos padrões russos) e projéteis de artilharia — do que está enviando para a frente. Crucialmente, criar o tipo de força que poderia ter sucesso em uma incursão limitada contra a Otan não exigiria que a Rússia restaurasse toda sua força anterior a 2022.
Para criar um dilema coercitivo para os líderes da Otan, a Rússia também precisaria de uma força nuclear de precisão credível, capaz de ameaçar — e, se necessário, realizar — ataques nucleares. Paralelamente, exigiria reservas profundas de armas convencionais de ataque de longo alcance para ameaçar e realizar salvas repetidas contra infraestrutura crítica europeia.
Em termos nucleares, a Rússia já está bem posicionada. Tão importante quanto seu estoque estimado de cerca de duas mil ogivas não estratégicas é a variedade de sistemas de entrega que podem ser armados com armas nucleares em curto prazo. No lado convencional, estima-se que a Rússia produza cerca de 1,2 mil mísseis de cruzeiro de ataque terrestre, 400 mísseis balísticos de curto e médio alcance e mais de seis mil drones de longo alcance anualmente, enquanto trabalha para aumentar a produção. Embora os números exatos sejam difíceis de verificar, a taxa relativamente baixa de atividade de mísseis durante o último inverno sugere que a Rússia já pode ter adquirido um estoque significativo. Se a guerra na Ucrânia desacelerar ou terminar, a Rússia estaria bem posicionada para expandir rapidamente suas reservas de mísseis.
Como a Otan deve se preparar?
Uma das principais variáveis que determinam o momento de um possível ataque russo é a guerra em curso na Ucrânia. Enquanto a Rússia tiver que comprometer a maior parte, senão todos, de seus recursos disponíveis à Ucrânia, um ataque ao território da Otan permanece improvável — ainda que não possa ser totalmente descartado. Como vimos, a Rússia já parece estar mobilizando mais do que está enviando para a Ucrânia, e qualquer desaceleração adicional nos combates se traduzirá em arsenais russos crescentes para outros cenários. Somente a Ucrânia pode determinar por quanto tempo continuará lutando e sob quais condições pode considerar um acordo com a Rússia. Mas enquanto a Ucrânia optar por resistir, é não apenas moral e legalmente correto para os Estados europeus apoiá-la, mas também estrategicamente sensato. Além disso, sinalizar comprometimento com a Ucrânia e disposição para correr riscos calculados contra a Rússia também ajudaria a mudar o equilíbrio de determinação de volta a favor da Otan.
Ao mesmo tempo, a Europa deve se preparar para o tipo de guerra que a Rússia provavelmente está planejando — uma que será significativamente diferente do conflito prolongado que agora se desenrola na Ucrânia. A melhor forma de enfrentar uma campanha russa curta e de alta intensidade é negar qualquer incursão na fronteira. Isso requer uma postura de defesa avançada credível, que a Otan ainda não possui. Possibilitar a defesa avançada significa mover mais tropas e equipamentos para a linha de frente, especialmente à medida que os Estados Unidos mudam seu foco para outras regiões e podem retirar formações de combate da Europa. Enquanto a Europa não mobilizar sua indústria de defesa em ritmo de guerra e adquirir em escala compatível com a ameaça, uma janela de vulnerabilidade permanecerá aberta, particularmente enquanto a Rússia não dá sinais de desacelerar sua indústria bélica. A negação persistente de qualquer ataque russo exigirá drones, mísseis, tanques, minas e sistemas de apoio. A Europa precisa de mais de tudo — e não há tempo a perder.
Os Estados europeus da Otan também devem demonstrar capacidade de responder efetivamente à coerção russa, tanto nuclear quanto não nuclear. A defesa antimísseis pode ajudar a mitigar o impacto de ataques de longo alcance contra alvos europeus, mas não será suficiente. Para criar dissuasão, os Estados europeus também devem investir e implantar uma capacidade credível de contra-ataque, deixando claro que estão preparados para retaliar imediatamente — inclusive contra infraestrutura crítica russa. A Otan também deve sinalizar de forma inequívoca que, embora não busque uma escalada nuclear, não cederá a ameaças ou uso de armas nucleares — e respaldar essas palavras com capacidades. Diante de uma garantia de dissuasão estendida dos EUA enfraquecida sob o presidente Donald Trump, os Estados europeus com armas nucleares devem assumir um papel maior, expandindo e diversificando seus arsenais nucleares e adaptando suas doutrinas.
A Rússia deixou amplamente claro que suas ambições revisionistas não terminam na Ucrânia. Seria imprudente não se preparar para a guerra — precisamente para dissuadir que ela aconteça em primeiro lugar. Igualmente equivocado é assumir que tal guerra se assemelharia à guerra na Ucrânia. Se Moscou confrontar a Otan, explorará as fraquezas da aliança e apostará em seus próprios pontos fortes. Um cenário de curto prazo e alta intensidade, projetado para fraturar a aliança e remover a resistência europeia como fator relevante, parece ser a abordagem russa mais provável. Esse cenário deve estar no centro do planejamento da Otan enquanto a Europa se rearma.