A Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático) anunciou na terça-feira (5) que não permitirá ao governo militar de Mianmar assumir a presidência rotativa do bloco regional em 2026, como estava programado. As informações são da agência Associated Press (AP).
A decisão é mais uma punição imposta à junta que assumiu o poder em um golpe de Estado em fevereiro de 2021, desencadeando uma onda de violência e repressão que levou cerca de quatro mil civis à morte, com mais de 24 mil pessoas presas pelas forças de segurança.
A crise entre a Asean e Mianmar ganhou contornos mais sérios em maio deste ano, quando um comboio humanitário do bloco foi pego no fogo cruzado durante um confronto entre as forças armadas e grupos rebeldes. Não houve feridos, mas o episódio levou Indonésia e Singapura a condenarem publicamente a violência do regime.
O general Min Aung Hlaing, que lidera a junta militar, já havia sido excluído das cúpulas da Asean após rejeitar um plano formal de paz apresentado pelo bloco. Agora, a nova medida punitiva levará as Filipinas a assumirem a presidência rotativa, segundo anunciou o presidente filipino Ferdinand Marcos Jr. em comunicado.
“É um prazer anunciar que as Filipinas estão prontas para assumir o comando e presidir a Asean em 2026”, disse o líder a seus homólogos durante cúpula desta semana em Jacarta, na Indonésia.
Embora o bloco não tenha se manifestado publicamente sobre o que o levou a punir Mianmar, dois diplomatas disseram à AP, sob condição de anonimato, que a decisão está relacionada aos violentos conflitos entre rebeldes e forças armadas decorrentes do golpe de Estado.
Para a Asean, a eventual falta de punições a Mianmar poderia levar o grupo de países a sofrer represálias dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), que têm liderado os esforços globais para sancionar os militares e isolar economicamente o violento regime.
Paralelamente, o bloco precisa lidar com uma divisão interna fruto da rivalidade crescente entre EUA e China. “Todos nós estamos conscientes da magnitude dos desafios mundiais de hoje, onde a principal chave para enfrentá-los é a unidade e centralidade da ASEAN”, afirmou o presidente indonésio, Joko Widodo.
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.
As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.
A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.
Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.
Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.
A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.