Ativista pró-democracia de Mianmar e familiares são sequestrados na Malásia

A ativista pelos direitos dos refugiados Thuzar Maung, o marido e os filhos do casal estão desaparecidos desde o começo do mês

A polícia da Malásia abriu uma investigação para apurar o desaparecimento de uma ativista pró-democracia de Mianmar e da família dela, todos portadores de cartões de refugiados da ONU (Organização das Nações Unidas). As forças locais e um grupo de direitos humanos trabalham com a hipótese de sequestro, que teria ocorrido no início deste mês. As informações são da rede Radio Free Asia.

Na segunda-feira (17), a ONG Human Rights Watch (HRW), com base em testemunhas e imagens de câmeras de segurança da residência da ativista em Selangor, denunciou que Thuzar Maung, de 46 anos, bem como o marido e os filhos do casal, foram sequestrados em uma operação cuidadosamente planejada, no dia 4 de julho.

A ONG suspeita que a ativista tenha sido alvo por apoiar o movimento pró-democracia contra a junta militar de Mianmar, que tomou o poder central após um golpe de Estado em fevereiro de 2021. A situação é inédita para portadores de cartões de refugiados das Nações Unidas, de acordo com uma fonte ligada a grupos de imigrantes na Malásia.

Thuzar Maung e o marido (Foto: redes sociais/Reprodução)

Elaine Pearson, diretora da HRW para a Ásia, expressou sua preocupação quanto à segurança da família e pediu ação urgente por parte do governo da Malásia para localizá-los e garantir sua proteção. A situação representa perigo para Maung e seus familiares, observou.

“Tememos que Thuzar Maung e sua família tenham sido sequestrados em uma operação planejada e estejam em grave risco”, disse ela. A HRW suspeita que indivíduos relacionados ao governo da Malásia possam estar envolvidos.

Segundo informações da agência Reuters, o chefe de polícia de Selangor, Hussein Omar Khan, afirmou que a polícia abriu uma investigação sobre o desaparecimento da família. Embora não tenha fornecido mais detalhes, ele declarou que a investigação abordará “qualquer possibilidade de crime, incluindo sequestro”.

A Malásia tem sido uma crítica pública da violência em Mianmar desde o golpe militar que derrubou o governo democraticamente eleito há mais de dois anos. No entanto, o país também tem enfrentado críticas de grupos de direitos humanos por deportar milhares de cidadãos de Mianmar, inclusive desertores militares.

De acordo com uma fonte vinculada a um grupo de migrantes da Malásia, que falou sob condição de anonimato, os refugiados birmaneses vivem em constante temor de deportação, uma vez que sua embaixada em Kuala Lumpur representa o exército de Mianmar.

Acredita-se que o apoio público de Thuzar ao autodenominado Governo de Unidade Nacional (NUG, na sigla em inglês), que estabeleceu um regime paralelo para enfrentar os militares no poder desde o golpe, principalmente em questões relacionadas ao bem-estar dos migrantes de Mianmar, tenha motivado um ataque da junta à família da ativista.

Além disso, o informante disse à reportagem que a divulgação tardia do sequestro ocorreu porque os colegas de Thuzar solicitaram sigilo até a semana passada, preocupados que a exposição midiática pudesse colocá-la em perigo.

Sem indícios de roubo

As câmeras de segurança na guarita de acesso ao condomínio onde reside a ativista registraram a placa de um carro com a inscrição “Polícia”, item que as forças policiais da Malásia dizem ter sido falsificado.

Registros do veículo indicam que esse mesmo carro entrou no condomínio fechado em 19 de junho. No entanto, os colegas de Thuzar Maung, que visitaram sua casa em 5 de julho, afirmam não ter encontrado sinais de invasão.

Maung é uma defensora fervorosa da democracia em Mianmar e dos direitos dos refugiados e migrantes na Malásia. Como presidente da Comunidade de Refugiados Muçulmanos de Mianmar e do Comitê de Trabalhadores Migrantes de Mianmar, ela tem trabalhado em estreita colaboração com o NUG.

No Facebook, onde tem mais de 93 mil seguidores, ela critica abertamente os abusos cometidos pela junta de Mianmar, que tomou o poder após o golpe militar em 1º de fevereiro de 2021.

Em 2015, Thuzar Maung escapou da crescente violência contra os muçulmanos em Mianmar e buscou refúgio na Malásia. Toda a sua família, composta por cinco membros, foi reconhecida como refugiada pelo Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) no país asiático.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar. Inicialmente, o golpe foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu bastante com a derrubada. Mas o cenário mudou desde então.

O governo chinês frequentemente se coloca ao lado da junta ao vetar resoluções que condenam a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral. A posição ficou evidente mais uma vez em dezembro de 2022, embora a China tenha optado por não vetar a resolução.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Entretanto, há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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