Austrália intensifica competição com a China e tenta estender presença militar nas Ilhas Salomão

Camberra mantém na nação insular mais de 200 soldados desde 2021, enviados durante protestos populares que contestavam a relação com Beijing

O governo da Austrália propôs às Ilhas Salomão a ampliação do acordo de cooperação militar entre os dois países, que desde 2017 prevê a possibilidade de que tropas australianas sejam deslocadas para a nação insular. A oferta surge no momento em que vem crescendo a colaboração entre os salomônicos e a China, motivo de preocupação para Camberra. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).

Durante visita às Ilhas Salomão nesta semana, o ministro da Defesa da Austrália, Richard Marles, ofereceu assistência de segurança por tempo indeterminado ao país vizinho. Camberra mantém por lá mais de 200 soldados desde 2021, enviados a pedido do premiê local, Manasseh Sogavare, que na ocasião enfrentava protestos populares ligados justamente à relação entre Honiara e Beijing.

“Deixamos claro que, se for o desejo das Ilhas Salomão que a Força de Assistência Internacional das Ilhas Salomão (SIAF, na siga em inglês) continue, a Austrália estaria pronta para que isso ocorresse”, disse Marles, que também é vice-primeiro-ministro australiano. “Estamos felizes em apoiar a continuação da presença da SIAF no apoio à Força Policial Real das Ilhas Salomão”, disse ele. 

O primeiro-ministro das Ilhas Salomão, Manasseh Sogavare (Foto: Flickr)

A proposta australiana aproveita o fato de que as Ilhas Salomão sediarão em novembro os Jogos do Pacífico, evento multidesportivo disputado por países e territórios da Oceania. Entretanto, o governo local ainda não respondeu à oferta.

“Caso haja áreas a serem abordadas, a Austrália será notificada por meio dos canais apropriados”, disse Sogavare em comunicado divulgado por seu gabinete

O premiê afirmou ainda que pretende revisar o acordo de segurança com Camberra vigente desde 2017, com base no qual as tropas foram enviadas em 2021. “Temos um tratado existente que permite que a polícia australiana, a defesa e o pessoal civil associado se desloquem rapidamente para as Ilhas Salomão com base na ‘necessidade’ e quando ambos os países consentirem”, explicou.

De acordo com Sogavarae, o acordo “cobre uma série de ameaças previsíveis à segurança, incluindo desastres naturais, e permite contribuições de terceiros países”, basicamente o mesmo foco de um documento assinado recentemente com Beijing. “Pedi para que isso fosse revisto”, completou, referindo-se ao pacto com os australianos, de acordo com o site The Defense Post.

Influência chinesa crescente

O maior motivo de preocupação da Austrália, dos EUA e de seus aliados no que tange à pequena nação insular surgiu no final de março de 2022, quando vazou uma carta de intenções indicando que o governo chinês planejava estabelecer uma base militar nas Ilhas Salomão. 

No documento, uma empresa chinesa de engenharia “demonstra intenção de estudar a oportunidade de desenvolver projetos navais e de infraestrutura em terrenos arrendados para a Marinha do Exército de Libertação Popular (ELP), para a Província de Isobel, com direitos exclusivos por 75 anos.”

Na mesma época em que a carta veio a público, Sogavare confirmou que estava prestes a assinar um acordo de segurança com a China. Na ocasião, ele definiu como “insultantes” as preocupações australianas e neozelandesas de que o pacto poderia causar instabilidade na segurança da região.

Pouco depois do anúncio, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, afirmou que o acordo já havia sido assinado. Ele não especificou quando e onde ocorreu a assinatura, que também foi confirmada pela embaixada chinesa em Honiara.

Por que isso importa?

As Ilhas Salomão vivem um período de intensa agitação social, que especialistas associam a questões étnicas e históricas, à corrupção estatal e ao movimento do governo para estreitar laços com a China. Há três anos, o governo local trocou a aliança diplomática com Taiwan por uma com Beijing.

Para James Batley, um ex-alto comissário australiano para as Ilhas Salomão e especialista em assuntos sobre Ásia-Pacífico da Universidade Nacional Australiana, o desagrado da população em relação à aproximação com a China serviu como gatilho para a desordem popular que explodiu em novembro de 2021.

“Não é política externa em si, mas acho que essa mudança diplomática alimentou as queixas pré-existentes e, em particular, a sensação de que os chineses interferiram na política nas Ilhas Salomão, que o dinheiro chinês de alguma forma fomentou a corrupção, distorceu a forma como a política funciona nas Ilhas Salomão”, disse Batley.

A relação comercial com a China é considerada particularmente predatória pela população local. Mais da metade de todos os frutos do mar, madeira e minerais extraídos do Pacífico em 2019 foi para a China. A estimativa é de que esse processo tenha movimentado US$ 3,3 bilhões, apontou uma análise de dados comerciais do jornal britânico The Guardian.

Para alimentar e gerenciar a população de quase 1,4 bilhão de habitantes, a China tirou do Pacífico mais recursos do que os dez países da região juntos. Nas Ilhas Salomão e em Papua Nova Guiné, por exemplo, mais de 90% do total de madeira exportada foi para os chineses.

Os dados não levam em consideração as exportações ilícitas. Nas Ilhas Salomão, pelo menos 70% das toras são exportadas de madeira ilegal. A falta de leis na China contra esse tipo de importação absorvem o envio devido à alta demanda e proximidade com a região.

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