Michelle Bachelet justifica desconfiança ao publicar declaração amena sobre visita à China

Comissária da ONU diz que visita não era "uma investigação", admite que não foi a centros de reeducação e elogia políticas de Beijing

A alta comissária da ONU (Organização das Nações Unidas) para os direitos humanos, Michelle Bachelet, falou no sábado (28) sobre sua recente viagem de seis dias à China. A declaração amena publicada no site da entidade dá razão àqueles que questionaram a possibilidade de a visita servir para Beijing maquiar os problemas e assim reduzir o escrutínio global no que tange à questão dos direitos humanos.

“Devo dizer desde o início o que foi esta visita – e o que não foi. Esta visita não foi uma investigação – as visitas oficiais de um Alto Comissário são, por natureza, de alto nível e simplesmente não conduzem ao tipo de trabalho detalhado, metódico e discreto de natureza investigativa”, disse ela, oficializando o que já havia sido citado em tom de preocupação por grupos humanitários e governos ocidentais.

“A visita foi uma oportunidade para manter discussões diretas – com os líderes mais importantes da China – sobre direitos humanos, para ouvir uns aos outros, levantar preocupações, explorar e preparar o caminho para interações mais regulares e significativas no futuro, com o objetivo de apoiar a China no cumprimento das suas obrigações perante as leis internacionais dos direitos humanos”, afirmou Bachelet.

Michele Bachelet, alta comissão da ONU para direitos humanos, na China (Foto: divulgação)

No comunicado, sobraram até elogios ao governo do Partido Comunista Chinês (PCC). “A redução da pobreza e a erradicação da pobreza extrema, dez anos antes da data prevista, são grandes conquistas da China. A introdução de cuidados de saúde universais e de um regime de seguro-desemprego quase universal contribui muito para garantir a proteção do direito à saúde e direitos sociais e econômicos mais amplos”, afirmou.

Campos de desradicalização

A região de Xinjiang, onde diversos países acusam a China de genocídio, foi citada por Bachelet. Porém, ela admitiu que não visitou nenhum Centro de Educação e Formação Profissional (VETCs, na sigla em inglês), os populares campos de desradicalização, onde são detidas pessoas da minoria étnica dos uigures. “Durante minha visita, o Governo garantiu que o sistema VETC foi desmantelado”, diz ela.

Entre os lugares que ela visitou está a prisão de Kashgar, que hoje não mais funciona como um VETC. Entretanto, não esteve em nenhum local onde ficam detidos uigures acusados de terrorismo, principal justificativa de Beijing para a repressão, sob o argumento de garantir a segurança nacional.

Nesse sentido, a alta comissária fez apenas uma associação vaga entre o combate ao terrorismo e a questão dos direitos humanos. “Compartilho as preocupações de vários mecanismos de direitos humanos da ONU sobre leis e políticas para combater o terrorismo e o radicalismo e sua aplicação”, afirmou ela.

As acusações contra o governo chinês de abusos nesse sentido, segundo ela, foram apenas citadas durante a visita. “Na Região Autônoma Uigur de Xinjiang, levantei questões e preocupações sobre a aplicação de medidas antiterroristas e de desradicalização e sua ampla aplicação – particularmente seu impacto sobre os direitos dos uigures e outras minorias predominantemente muçulmanas”.

Bachelet declarou também que pediu ao governo chinês para que “adote medidas prioritárias para providenciar informações às famílias” de uigures que hoje vivem no exterior e dizem ter perdido contato com parentes supostamente detidos pelo governo.

Desfecho previsível

Na última semana, grupos humanitários e governos ocidentais haviam questionado a visita de Bachelet. Sophie Richardson, diretora da ONG Human Rights Watch (HRW), foi uma que ergueu a voz contra o acordo entre a ONU e Beijing: “O governo chinês está cometendo violações de direitos humanos em um escopo e escala inimagináveis desde a última visita de um alto comissário, em 2005, em parte porque não há medo de responsabilização. A alta comissária precisa trabalhar para acabar, não para viabilizar essa percepção”.

A diretora da HRW havia alertado que o governo chinês não permitiria à alta comissária ver “qualquer coisa que eles não querem que ela veja”. Algo que se confirmou quando Bachelet admitiu não ter ido a nenhum VETC, sob a justificativa de que o sistema foi desativado. 

O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Ned Price, seguiu pelo mesmo caminho ao dizer que Washington não esperava que a China concedesse “o necessário acesso para conduzir uma avaliação completa e não manipulada do ambiente de direitos humanos em Xinjiang”.

No Brasil, o movimento Democracia Sem Fronteiras (DSF) também havia manifestado dúvidas quanto à eficácia da visita. “Esperamos que a representante da ONU consiga ter abertura e liberdade de conversar com a população e acesso ao que, de fato, está acontecendo, para saber se são verdadeiras ou não as denúncias”, disse o grupo em comunicado enviado à reportagem de A Referência.

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