Bebê de quatro meses é a mais nova vítima da radical política ‘Zero Covid’ na China

Com milhões de pessoas trancadas em casa, aumenta a insatisfação popular, que chegou a gerar um raro protesto em Guangzhou

Continuam a surgir relatos de cidadãos chineses mortos em razão dos radicais confinamentos impostos pelo governo à população como parte da política “Zero Covid” do governo Xi Jinping. A mais nova vítima teria sido uma bebê de apenas quatro meses de idade, cuja morte foi relatada na internet pelo pai da criança, segundo informações do jornal britânico Guardian.

O caso tornou-se público através da plataforma de mídia social Weibo, a versão chinesa do Twitter. De acordo com o pai da menina, Li Baoliang, que usou o canal para revelar o ocorrido, a família cumpria quarentena obrigatória em um hotel da cidade de Zhengzhou quando a criança adoeceu e começou a vomitar seguidas vezes.

A linha de emergência foi acionada, mas os médicos se recusaram a atendê-la porque o teste de Covid-19 teve resultado negativo. À noite, quando a ambulância finalmente chegou para levar a criança ao hospital, já era tarde. Então, 12 horas após o pedido de ajuda, quando a bebê finalmente receberia atendimento médico, já havia morrido.

“Isso é um tremendo choque para nós. Eu não posso aceitar isso”, escreveu Li, cobrando das autoridades chinesas uma investigação. “Quero justiça para a minha filha”.

Equipe de controle de Covid na entrada de uma estação de metrô de Beijing, na China (Foto: WikiCommons)

As ordens de Beijing para que a população fique em casa em meio à nova onda de casos registrados no país tem gerado insatisfação generalizada. Na segunda-feira (14), uma multidão foi às ruas da cidade de Guangzhou protestar contra o lockdown e chegou a entrar em confronto com a polícia, episódio raro em um país onde as autoridades reprimem de forma dura qualquer foco de insatisfação com o governo.

Guangzhou tem os mais altos níveis de contaminação do país no surto atual. Com mais de cinco mil casos diários nos últimos dias na cidade, os bloqueios se intensificaram, e a expectativa é de que essa política não seja alterada tão cedo.

Em todo o país, foram registrados na terça (15) mais de 17 mil casos positivos, após cerca de 16 mil do dia anterior. São os maiores números diários desde o mês de abril, o que ocorre apesar de uma redução drástica das testagem em massa realizadas pelo governo justamente porque milhares de pessoas estão trancadas em casa.

No mês passado, o pavor dos chineses com os bloqueios impostos pelo governo levou trabalhadores da fábrica da Foxconn, em Zhengzhou, a fugir do local, temendo que viessem a ser trancados ali depois que um pequeno surto de Covid foi identificado. O ocorrido criou problemas na cadeia global de reposição do iPhone, da Apple, que usa a Foxconn na produção.

Também em outubro, o parque temático da Disney em Xangai fechou as portas repentinamente, com os visitantes impedidos de sair até que recebessem o resultado de um teste. Pessoas que haviam passado pelo parque nos dias anteriores também receberam ordens do governo para realizar três PCRs em dias consecutivos.

Por que isso importa?

Beijing tem adotado uma severa política de combate ao coronavírus, com relatos de milhões de cidadãos trancados em casa durante períodos longos e empresas impedidas de funcionar, impactando duramente nas vidas das pessoas e na economia do país.

Há relatos de chineses que morreram durante os períodos de confinamento por falta de atendimento médico para doenças diversas da Covid-19 e até de fome, devido à impossibilidade de sair de casa para obter alimento.

Em maio, Tedros Ghebreyesus, chefe da OMS (Organização Mundial de Saúde), contestou a política “Zero Covid” de Beijing, o que levou o governo a censurá-lo. Declarações dadas por ele foram excluídas de ao menos dois canais, o serviço de microblogs Weibo e o aplicativo de mensagens WeChat.

A autoridade de saúde disse não aprovar a radical política chinesa de trancar a população em casa, uma iniciativa que começou em Xangai, durou seis semanas e se repetiu em outras cidades do país em meio à rápida disseminação da variante Ômicron.

“Quando falamos sobre a estratégia ‘Zero Covid’, não achamos que seja sustentável, considerando o comportamento do vírus agora e o que prevemos no futuro”, disse o chefe da OMS. “Discutimos esta questão com especialistas chineses e indicamos que a abordagem não será sustentável. Acho que uma mudança será muito importante”.

Em abril, a ONG Human Rights Watch (HRW) alertou para os danos que o confinamento vem causando a seus cidadãos, particularmente em Xangai. “As autoridades de Xangai impuseram medidas draconianas de bloqueio desde março de 2022, que impediram significativamente o acesso das pessoas a cuidados de saúde, alimentos e outras necessidades vitais”, disse a entidade na ocasião.

No caso específico de Xangai, pessoas teriam morrido porque não foram autorizadas a sair de casa sequer para tratamento médico de doenças crônicas que enfrentam. E de crianças separadas de seus pais porque um ou mais integrantes da família testaram positivo para Covid-19. Muitos cidadãos teriam ficado sem comida em casa, devido à longa duração do bloqueio, que os pegou desprevenidos.

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