Cidadãos de Guangzhou ignoram a repressão e protestam contra a política ‘Zero Covid’ da China

A cidade tem registrado os mais altos níveis de contaminação do país, que sofre atualmente com uma nova onda de Covid-19

É cada vez menos popular entre os cidadãos chineses a radical política “Zero Covid” instituída por Beijing, que tranca milhões de pessoas em casa e tem gerado inclusive denúncia de mortes por falta de acesso a alimentos e serviços básicos. Um novo sinal de descontentamento generalizado surgiu em Guangzhou, metrópole industrial no sul da China. Por lá, na segunda-feira (14), uma multidão rompeu as barreiras impostas pelo governo, foi às ruas protestar e entrou em confronto com as forças de segurança.

Guangzhou tem registrado os mais altos níveis de contaminação do país, que sofre atualmente com uma nova onda de Covid-19 em função da variante Ômicron. Com mais de cinco mil casos diários registrados nos últimos dias na cidade, os bloqueios se intensificaram, com a expectativa de que essa política não seja alterada tão cedo, de acordo com a agência Reuters.

Em todo o país, foram registrados na terça (15) mais de 17 mil casos positivos, após cerca de 16 mil do dia anterior. São os maiores números diários desde o mês de abril, o que ocorre apesar de uma redução drástica das testagem em massa realizadas pelo governo justamente porque milhares de pessoas estão trancadas em casa.

Medidas de combate à Covid-19 em Xangai, na China (Foto: Xiangkun ZHU/Unsplash)

Em Guangzhou, o que ajuda a explicar a reação extrema dos cidadãos, ignorando inclusive a dura repressão a manifestações populares contrárias ao governo, é o fato de que ali vivem muitos operários itinerantes das classes mais pobres, segundo a rede BBC. Como o bloqueio fecha empresas e os impede de trabalhar, muitos ficam sem uma fonte de renda, o que leva à escassez de alimentos e amplia a insatisfação.

A manifestação teve inicialmente como alvo os agentes do governo de combate à Covid, vestidos com macacões brancos ou azuis. Aos poucos, a situação foi se tornando mais tensa até que explodiu para um confronto com a polícia.

Também pesou para a fúria popular um boato a respeito dos números elevados de testes com resultado positivo. Muitos acreditaram na teoria de que as empresas que produzem os testes de PCR vinham divulgando números inflados artificialmente para forçar as pessoas a repetir o processo e, assim, aumentar o faturamento das companhias.

No mês passado, o pavor dos chineses com os bloqueios impostos pelo governo levou trabalhadores da fábrica da Foxconn, em Zhengzhou, a fugir do local, temendo que viessem a ser trancados ali depois que um pequeno surto de Covid foi identificado. O ocorrido criou problemas na cadeia global de reposição do iPhone, da Apple, que usa a Foxconn na produção.

Também em outubro, o parque temático da Disney em Xangai fechou as portas repentinamente, com os visitantes impedidos de sair até que recebessem o resultado de um teste. Pessoas que haviam passado pelo parque nos dias anteriores também receberam ordens do governo para realizar três PCRs em dias consecutivos.

Por que isso importa?

Beijing tem adotado uma severa política de combate ao coronavírus, com relatos de milhões de cidadãos trancados em casa durante períodos longos e empresas impedidas de funcionar, impactando duramente nas vidas das pessoas e na economia do país.

Há relatos de chineses que morreram durante os períodos de confinamento por falta de atendimento médico para doenças diversas da Covid-19 e até de fome, devido à impossibilidade de sair de casa para obter alimento.

Em maio, Tedros Ghebreyesus, chefe da OMS (Organização Mundial de Saúde), contestou a política “Zero Covid” de Beijing, o que levou o governo a censurá-lo. Declarações dadas por ele foram excluídas de ao menos dois canais, o serviço de microblogs Weibo e o aplicativo de mensagens WeChat.

A autoridade de saúde disse não aprovar a radical política chinesa de trancar a população em casa, uma iniciativa que começou em Xangai, durou seis semanas e se repetiu em outras cidades do país em meio à rápida disseminação da variante Ômicron.

“Quando falamos sobre a estratégia ‘Zero Covid’, não achamos que seja sustentável, considerando o comportamento do vírus agora e o que prevemos no futuro”, disse o chefe da OMS. “Discutimos esta questão com especialistas chineses e indicamos que a abordagem não será sustentável. Acho que uma mudança será muito importante”.

Em abril, a ONG Human Rights Watch (HRW) alertou para os danos que o confinamento vem causando a seus cidadãos, particularmente em Xangai. “As autoridades de Xangai impuseram medidas draconianas de bloqueio desde março de 2022, que impediram significativamente o acesso das pessoas a cuidados de saúde, alimentos e outras necessidades vitais”, disse a entidade na ocasião.

No caso específico de Xangai, há relatos de pessoas que morreram porque não foram autorizadas a sair de casa sequer para realizar tratamento médico de doenças crônicas que enfrentavam. E de crianças que foram separadas de seus pais porque um ou mais integrantes da família testaram positivo para Covid-19. Muitos cidadãos teriam ficado sem comida em casa, devido à longa duração do bloqueio, que os pegou desprevenidos.

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