Beijing é suspeita de usar seus centros de apoio para assediar chineses na Holanda

Instalações, que oficialmente prestam apoio a turistas e imigrantes, servem também para forçar dissidentes a voltar à China

O governo da Holanda investiga dois centros de apoio a turistas e imigrantes chineses, criados e geridos por Beijing, que estariam sendo usados para fins escusos, como espionar e assediar cidadãos da China que vivem no país europeu. As informações são do jornal britânico Guardian.

Oficialmente, duas instalações, uma em Amsterdã e a outra em Roterdã, são usadas para servir a turistas e imigrantes chineses que venham a precisar de serviços administrativos, como renovação de documentos. Porém, têm surgido acusações de que o governo chinês usa os centros também para agir contra os críticos do regime de Xi Jinping no exterior.

Amsterdã, na Holanda: Beijing vigia e reprime dissidentes na Europa (Foto: Azhar J/Unsplash)

Segundo o Ministério das Relações Exteriores holandês, as instalações operam de forma ilegal. “Estamos investigando exatamente o que eles estão fazendo aqui e tomaremos as medidas apropriadas”, diz a pasta em comunicado.

A denúncia foi feita originalmente pela ONG de direitos humanos Safeguard Defenders, que em setembro deste ano publicou um estudo sobre o caso. O documento afirma que o Partido Comunista Chinês (PCC) opera ao menos 54 “centros de serviço” em 30 países dos cinco continentes, inclusive no Brasil.

Os centros foram originalmente criados como associações comunitárias de cidadãos de uma mesma região chinesa, e o relatório abrange somente aqueles ligados aos condados chineses de Fuzhou e Qingtian. Ou seja, é provável que em todo o mundo haja mais que os 54 listados pela ONG.

O centro de Amsterdã, por exemplo, é ligado a Qingtian, com dois agentes de polícia do condado chinês atuando nele. Já o de Roterdã teria um agente de Fuzhou. De acordo com sites chineses que admitem a existência das instalações, elas seriam usadas também para “reprimir atividades criminosas ligadas a chineses no exterior”.

Um dissidente que obteve asilo na Holanda relata que foi convocado para comparecer ao centro de Roterdã. “Eles me pediram para voltar à China para resolver meus problemas. Também me disseram para pensar em meus pais”, disse ele, que alega ter sido ameaçado com uma mensagem de texto na qual se lia “vou te matar”, com a foto de uma arma.

Assédio online

A Safeguard Defenders afirma que, na maioria dos casos, os centros somente operam um sistema online que coloca o cidadão em contato com as autoridades na China, sendo então ameaçados em conversas pelo aplicativo WeChat. Porém, há casos registrados de envolvimento ativo dos centros no rastreamento e na perseguição de alvos em países estrangeiros.

Conforme os dados da ONG, entre abril de 2021 e julho de 2022, 230 mil chineses “foram devolvidos para enfrentar possíveis acusações criminais na China por meio desses métodos, que geralmente incluem ameaças e assédio contra membros da família em casa ou diretamente contra o alvo no exterior, seja por meio online ou físico”.

Para todos os efeitos, o governo chinês alega que os 230 mil repatriados são acusados de algum crime. Para convencer os indivíduos a aceitar voluntariamente a ideia de voltar à China e responder legalmente, são adotados métodos abusivos. “Um desses métodos, descrito na documentação oficial, é negar aos filhos do suspeito ainda na China o direito à educação”, diz o relatório.

Em outros casos, parentes aparecem no vídeo ao lado de autoridades chinesas e atuam para convencer o cidadão a retornar. “Os familiares que se recusam a ajudar a polícia em operações de ‘persuasão’ podem ser punidos”, segundo o documento.

Através desses métodos, Beijing se permite driblar o sistema legal dos países onde vivem seus cidadãos, vez que as legislações locais “preveem mecanismos de controle para proteger os direitos do alvo, incluindo o direito a um julgamento justo e a presunção de inocência antes do julgamento”.

Embora receba dois desses “centros de serviço”, um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro, o Brasil não surge no relatório como tendo registrado qualquer caso de assédio.

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