Até dezembro de 2023, a Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative) contava com 151 signatários, conforme dados divulgados pelo grupo de pesquisas Green Finance & Development Center, da Universidade de Fudan, na China. O Brasil não aparece entre eles, mas manifestações recentes do presidente Lula sugerem que isso pode mudar em breve. A possibilidade de adesão brasileira, porém, surge em um momento negativo para a inciativa, contestada por integrantes e cada vez mais voltada ao Sul Global, ante ao êxodo sobretudo de nações europeias.
A saída mais marcante foi a da Itália, anunciada no final do ano passado, o que reduziu o número de membros para 150. A decisão foi tomada pela primeira-ministra Giorgia Meloni, líder do partido Irmãos da Itália, que sempre classificou a participação italiana como um “erro”.
A Itália aderiu à Nova Rota da Seda em 2019, tornando-se a maior economia e o único país do G7 a assinar a iniciativa, envolvimento que emprestou prestígio diplomático ao acordo. No entanto, desde então, as importações italianas provenientes da China quase dobraram, enquanto as exportações do país europeu para o asiático tiveram um aumento pouco expressivo.
Stefano Stefanini, ex-embaixador da Itália na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), destacou que a continuidade da participação italiana na iniciativa se tornou insustentável não apenas por ser vista como comercialmente desvantajosa. Também pesou a deterioração das relações entre Beijing, de um lado, e Washington e a União Europeia (UE), de outro, bem como os esforços ocidentais para reduzir a dependência da China, especialmente em áreas estratégicas.

O distanciamento europeu ficou evidente na edição 2023 do Fórum para a Cooperação Internacional da Nova Rota da Seda, que em 2019 havia recebido sete países da UE: Áustria, Chipre, República Tcheca, Grécia, Itália, Portugal e Hungria. No ano passado, porém, apenas o presidente húngaro Viktor Orban, um aliado de Beijing e Moscou, compareceu.
Em outubro de 2023, por ocasião do Fórum, Moritz Rudolf, especialista em assuntos chineses da Faculdade de Direito de Yale, falou ao site de negócios BQ Prime e avaliou que de fato a BRI está se transformando em uma iniciativa regionalizada em vez de verdadeiramente global.
O analista destacou como principais parceiros chineses os países do Sul Global, definição geopolítica geralmente que se refere a nações em desenvolvimento localizadas na África, na América do Sul, na Ásia e em partes da Oceania.
É nesse contexto que pode se encaixar o Brasil. A possibilidade de o país assinar o memorando de adesão à BRI já havia sido ventilada em abril, quando da visita do presidente Lula à China. Na oportunidade, no entanto, a questão não foi debatida com o líder chinês Xi Jinping, idealizador da iniciativa.
Na semana passada, porém, o assunto voltou à pauta após Lula afirmar que discutirá com a China o que o país ganharia caso aderisse, segundo relatou a rede CNN. Ele falou durante um evento em São José dos Campos, no estado de São Paulo, dias após confirmar que participará da reunião deste ano da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), que acontecerá no Peru.
O Peru, por sinal, é palco de uma obra problemática inserida na BRI. O projeto do Megaporto de Chancay enfrentou diversos problemas desde o seu início, segundo o site Diálogo Américas. As obras chegaram a ser suspensas em maio de 2023 devido a um deslizamento de terra, e o colapso de uma rua gerou uma investigação por parte do Ministério Público peruano
Chancay também é alvo de críticas devido a seu impacto ambiental, com um comitê de monitoramento alertando para os prejuízos que o projeto causa à fauna e á flora locais. Paralelamente, há preocupações sobre o domínio crescente da China na região e o uso duplo do porto, com muitos questionamentos quanto ao controle chinês do local estratégico, às custas da soberania do governo peruano.
Um problema mais amplo, entretanto, é o financeiro. A BRI se tornou um fardo para alguns países, espantando potenciais interessados. A iniciativa usa bancos e empresas chinesas para financiar e construir rodovias, usinas de energia, portos, ferrovias, redes 5G e outros projetos em todo o mundo.
No início, os governos receberam muito bem o dinheiro, especialmente pelo fato de isso ter ocorrido logo após uma recessão global histórica. Hoje, com muitas das nações inseridas na BRI em situação financeira dramática, manter em dia o pagamento das dívidas é missão quase impossível.
Tanto que, ultimamente, uma das prioridades da China tem sido usar o dinheiro antes destinado a grandes projetos de infraestrutura para resgatar parceiros que se endividaram devido à própria iniciativa. Tal alerta foi feito por um estudo divulgado em novembro de 2023 por pesquisadores do instituto AidData, da Universidade William and Mary, nos Estados Unidos.
A inadimplência que vem se acumulando nos últimos anos deu à BRI a péssima fama de que esconde uma “armadilha da dívida“. Assim, a aprovação da opinião pública em relação à China nos países em desenvolvimento caiu de 56% em 2019 para 40% em 2021. Paralelamente, a dos Estados Unidos, principais rivais no setor de investimento em megaprojetos, aumentou no período, atingindo 54%.
Tal cenário permitiu aos Estados Unidos e a seus aliados do G7 competirem com Beijing, apostando em ganhar terreno como parceiros justamente de países onde a desconfiança em relação aos chineses é maior. A BRI cada vez mais tem se distanciado desse tipo de parceiros, deixando assim a porta aberta para a concorrência entrar.