Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site The Cipher Brief
Por Glenn Chafetz
Quando o presidente Biden soou o alarme pela primeira vez em fevereiro sobre a importação de veículos chineses e seus softwares, a maior parte da atenção se concentrou em como Beijing poderia usar esse software para coletar informações sobre norte-americanos e sobre a infraestrutura dos EUA. No entanto, compreender a ameaça total significa contemplar cenários que podem soar como ficção científica.
Os veículos de hoje já coletam dados pessoais e os transmitem aos fabricantes por meio de conexões celulares e via satélite sempre ativas; e os fabricantes de carros estão trabalhando febrilmente para automatizar todas as funções de seus veículos. Imaginar o que os carros fabricados na China podem fazer em solo americano — para um governo que não faz distinção entre as esferas econômica, política e militar — não é um exercício de fantasia, mas uma tarefa urgente de segurança nacional.
A tecnologia nos veículos em rede mais avançados de hoje já pode ser usada para comunicação, orientação, interferência e interrupção do transporte terrestre, especialmente quando combinada com satélites de órbita terrestre baixa (LEOs, na sigla em inglês) e redes terrestres. Se uma frota desses veículos “inteligentes” estivesse no solo em outro país, então a China – como fabricante desses veículos – poderia usar seus dados para fins militares.
Novamente, parece ficção científica. Mas aqui estão algumas das potenciais aplicações militares:
- Orientação de mísseis hipersônicos, de cruzeiro ou planadores que voam a uma velocidade cinco vezes maior que a do som. Em 2021, a China testou um míssil hipersônico que supostamente circulou o globo antes de atingir um alvo de teste na China. Um problema com mísseis tão rápidos é a comunicação eficaz; mas um sistema como o descrito acima poderia usar veículos em rede como retransmissores móveis entre os mísseis e a origem do sinal, permitindo maiores velocidades de dados e menor latência. LEOs, especialmente em combinação com veículos conectados à internet e à rede 5G, aumentariam em teoria a velocidade e reduziriam a latência da comunicação de orientação necessária.
- Uso de LEOs para bloquear radares dos EUA. Pesquisadores chineses afirmam que modelaram um teste bem-sucedido dessa aplicação, usando 28 LEOs contra um porta-aviões dos EUA. Um veículo conectado por meio de um LEO é muito mais responsivo e preciso quando se trata de orientação.
- Acesso controlado remotamente a veículos. Imagine um adversário remotamente direcionando centenas de milhares de veículos em solo americano como projéteis explosivos ou inertes – ou usando-os para bloquear ou negar a capacidade de um adversário de usar estradas e ferrovias em todo o mundo. Se esse grau de controle remoto parece absurdo, considere que a Ford desenvolveu um sistema para retomar remotamente seus veículos. Além disso, tanto os russos quanto os ucranianos usaram veículos autônomos e controlados remotamente baseados em terra para varredura de minas, reconhecimento e diretamente como armas. Embora o Exército dos EUA invista em pesquisa e desenvolvimento de veículos autônomos e sistemas espaciais integrados para combate terrestre, ele não parece ter investigado as aplicações de sistemas comerciais existentes pela China ou qualquer outro adversário.
Uma empresa chinesa para ficar de olho
Uma empresa chinesa, a Zhejiang Geely Holding Group (Geely), é um conglomerado que combina todas as tecnologias necessárias para esses propósitos: produção de veículos autônomos, fabricação e operações de LEO e acesso à infraestrutura de comunicação terrestre. A Geely não só fabrica veículos elétricos (EVs), mas também possui uma subsidiária, a Geespace, que desenvolve, lança e opera satélites LEO. A Geely também faz parceria com a Huawei e a Ericsson, que juntas oferecem cobertura 5G quase global, completando assim para a Geely a trinca necessária para uma rede mundial de comando e controle de alta precisão.
A Geely é apenas uma das muitas empresas chinesas com essas capacidades. A China é a maior exportadora de automóveis do mundo e tem todas as outras empresas chinesas de automóveis (assim como de espaço e infraestrutura) no país à sua disposição. Enquanto isso, a China usa todos os meios possíveis para se infiltrar na infraestrutura crítica dos EUA, e seria ingênuo pensar que ela abjuraria as vantagens que os veículos em rede fornecem.
Como responder
O que fazer então? Os EUA e seus aliados já impuseram tarifas altas, mas tarifas e investigações não serão suficientes. Os EUA devem, no mínimo, fazer o seguinte:
- Proibir a importação de automóveis chineses ou seus componentes para os EUA e países aliados;
- Cortar o acesso de fabricantes de automóveis chineses aos fornecedores dos EUA e aliados;
- Proibir o uso de componentes de origem norte-americana em automóveis fabricados na China;
- Impedir que a China estabeleça padrões para tecnologias relevantes, incluindo comunicações de veículo para tudo (V2X);
- Apoiar empresas de LEO dos EUA e dos aliados na negação do acesso da RPC (República Popular da China) ao espectro orbital e de comunicações.;
- Continuar a se desvincular de empresas de infraestrutura controladas pela China, como a Huawei;
- Convencer aliados e países terceiros a adotarem essas medidas também.
Líderes dos EUA e aliados trabalharam por mais de 40 anos sob a ilusão de que o desenvolvimento tecnológico da China era para propósitos puramente comerciais e pacíficos. No entanto, os próprios estrategistas militares da China deixaram claro que não reconhecem nenhuma tecnologia ou atividade como puramente comercial; o comércio está entrelaçado na doutrina militar da China. Os pontos-chave dessa doutrina são que a China está em estado de guerra; os EUA são o inimigo; e a China está usando todos os meios possíveis para enfraquecer os EUA até que o Partido Comunista Chinês (PCC) não considere mais os Estados Unidos como uma ameaça.