China anuncia doações ao povo afegão e promete ao Taleban erguer uma mesquita

Anúncio vai na contramão da repressão religiosa imposta pelo governo chinês em seu território, sendo justamente os muçulmanos o principal alvo

Como parte do processo de aproximação com o Taleban, a China anunciou a intenção de construir uma mesquita no Afeganistão. O anúncio foi feito no último domingo (19), quando Beijing também confirmou o envio de ajuda humanitária à população do país, afetada pela fome e por uma profunda crise financeira que tende a impactar ainda mais durante o inverno. As informações são do jornal South China Morning Post.

A China ainda não reconheceu oficialmente o Taleban como governo efetivo do Afeganistão e tem dito que não pretende ser o primeiro país a tomar tal medida diplomática. Porém, os dois governos já esboçam relações comerciais, com Beijing avaliando a possibilidade de investir bilhões no setor de mineração afegão.

 A China Metallurgical Group (MCC), empresa estatal chinesa, firmou em 2007 um contrato para desenvolver o campo da mina de cobre Aynak, na província de Logar, cerca de 32 quilômetros a sudeste de Cabul. O investimento no projeto chegaria a US$ 2,8 bilhões, o que envolveria a construção de uma usina de energia elétrica e estradas de ferro, além da geração de 5 mil empregos para cidadãos afegãos, todos sob a supervisão de profissionais chineses. O projeto foi interrompido desde a queda de Cabul, mas tende a ser retomado.

Wang Yu, embaixador chinês no Afeganistão, disse durante o evento que a China também tem dado suporte ao Afeganistão no campo diplomático. “Temos falado no cenário internacional pelos países em desenvolvimento, como o Afeganistão e outros países que sofrem tratamento injusto”, disse ele.

Em setembro, a China havia doado cerca de US$ 31 milhões ao Afeganistão, incluindo aí comida e vacinas contra a Covid-19. O acordo mais recente, anunciado no domingo, tem como foco o rigoroso inverno do país, com a doação de casacos e cobertores para cerca de 50 mil famílias afegãs. Além da mesquita.

A grande Mesquita de Dongguan, na cidade de Xining, em novembro de 2014: domo foi removido (Foto: Wikimedia Commons)

Repressão religiosa

Embora adote a generosa atitude de construir o templo no Afeganistão, a China tem intensificado a repressão religiosa em seu próprio território. Nos últimos três anos, o governo tem obrigado as mesquitas do país a retirarem de suas fachadas duas das principais peças arquitetônicas que caracterizam os templos muçulmanos: as cúpulas e os minaretes, estes últimos as torres de onde são anunciados os cinco horários diários de oração.

As autoridades chinesas alegam que as cúpulas evidenciam a influência religiosa estrangeira e, dessa forma, vão contra os ideais nacionalistas do Partido Comunista Chinês (PCC). Assim, a arquitetura abertamente islâmica tem sido derrubada, a fim de remover a identidade visual e dar aos edifícios uma arquitetura tipicamente chinesa, num processo que teve início em 2018 e ocorre sobretudo no noroeste do país.

Por que isso importa?

Desde 2012, quando o presidente Xi Jinping assumiu o governo da China, a repressão religiosa no país se intensificou. As restrições tornaram-se ainda mais rígidas em 2018, quando entrou em vigor a atual regulamentação de assuntos religiosos no país. Somada à repressão imposta em outros setores, como os meios de comunicação e a internet, a prática religiosa tornou-se um desafio para os fieis em território chinês.

No episódio mais recente da repressão religiosa imposta pelo Partido Comunista Chinês (PCC), a Apple foi obrigada a apagar de sua loja dois aplicativos, um voltado à Bíblia cristã, outro dedicado ao Corão, o livro sagrado do Islã. De acordo com a rede britânica BBC, ambos foram vetados por Beijing por conterem textos religiosos considerados proibidos.

Mas o principal expoente do desafio que os fieis enfrentam na China é a etnia muçulmana dos uigures, que habitam a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China, fazendo fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.

O governo chinês refuta as acusações de abusos e classifica como “campos de reeducação” as áreas nas quais vivem milhões de uigures. O argumento de Beijing para isolar e vigiar a etnia muçulmana é o da “segurança nacional”, sob a justificativa de que pretende evitar a radicalização dos fiéis. Entretanto, para os governos de determinados países ocidentais, como Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, a ação da China configura “genocídio”.

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