China contrata influenciadores para melhorar a imagem nos Jogos de Inverno

Objetivo é destacar a cultura local e as boas relações diplomáticas da China em meio às denúncias de violações de direitos humanos

Com o intuito de melhorar a imagem do país durante os Jogos Olímpicos de Inverno Beijing 2022, o governo chinês recrutou um exército de influenciadores de redes sociais mundo afora, todos com centenas de milhares de seguidores espalhados por TikTok, Instagram e Twitch. A ideia é que os influenciadores engajem o público ocidental em histórias positivas sobra a China, afastando a má impressão deixada pela onda de boicotes diplomáticos liderada pelos EUA em represália aos abusos dos direitos humanos pelo governo chinês, segundo informou o jornal britânico The Guardian.

O contrato de relações públicas, curiosamente, foi assinado nos Estados Unidos. Em novembro, enquanto o presidente Biden articulava um boicote diplomático à competição, a Vippi Media, uma empresa com sede em Nova Jersey, assinava um contrato de US$ 300 mil com o consulado geral chinês em Nova York para organizar uma campanha de mídia social que estabeleça uma narrativa positiva sobre Beijing.

Quem está por trás desse aperto de mãos é Vipinder Jaswal, colaborador da revista Newsweek e ex-executivo da Fox News e do HSBC, que administra a Vippi Media. Ele disse estar “ciente das controvérsias em torno do governo chinês” antes de assinar o acordo, particularmente sobre o que acontece em Xinjiang e Hong Kong.

Lista de ex-atletas olímpicos e empresários inclui ex-atletas e empresários (Foto: Unsplash/Divulgação)

“O que estamos tentando fazer é simplesmente destacar a integridade e a dignidade das Olimpíadas”, disse ele. “Boicotes não ajudam a compreensão mútua. Eu não apoio boicotes. Eles são ineficazes, irrelevantes e inconsequentes”, justificou.

De acordo com o contrato, o governo chinês solicita que as postagens sejam divididas em 70% de conteúdo relacionado à cultura, com destaque para a história, relíquias culturais, vida moderna e tendências atuais em Beijing. Uma fatia de 20% deverá ser de conteúdo diplomático relacionado à “cooperação e quaisquer coisas boas”, incluindo as relações China-EUA. Já os 10% restantes serão referentes às notícias e tendências do consulado geral.

A empresa de Jaswal já recebeu até 50 propostas de influenciadores, incluindo ex-atletas olímpicos e empresários. Conforme descrito no contrato, a firma planeja entregar um total de 3,4 milhões de impressões em plataformas de mídia social frequentadas por grupos demográficos mais jovens. O chefe da Vippi Media recebeu um adiantamento de US$ 210 mil após fechar o acordo, segundo consta nos documentos do contrato.

O aperto de mãos entre Jaswal e o governo chinês vem em um período em que as relações bilaterais entre a China e os EUA estão desmoronando. Ele inclusive está sob forte questionamento das autoridades desde seu contrato com o consulado chinês foi celebrado. No começo do mês, o senador republicano Rick Scott chegou a pedir em uma carta enviada à direção da Newsweek para que “reconsiderasse seu relacionamento com Vipp Jaswal”.

Em resposta à carta, Jaswal chamou o pedido do senador da Flórida de uma “tentativa de buscar uma sensação sem sentido”. “Acho suas pretensões de endossar a justiça de tirar o fôlego e a arrogância com que ele projeta suas hipocrisias realmente divertidas”, disse Jaswal em um comunicado.

Patrocinadores pressionados

Grandes corporações sediadas nos EUA, como Coca-Cola, Procter & Gamble, Airbnb, Intel e Visa, fazem parte da lista de patrocínio master dos Jogos. Entre outras gigantes estão a montadora japonesa Toyota e a empresa alemã de serviços financeiros Allianz, além da consultoria francesa de tecnologia da informação Atos.

Em novembro, organizações de direitos humanos não pouparam críticas a patrocinadores corporativos ocidentais, a quem acusam de “desperdiçar a oportunidade” de pressionar a China a abordar seu “aterrorizante histórico de direitos humanos”.

“As empresas precisam saber que, sob os princípios orientadores da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre negócios e direitos humanos, elas têm a responsabilidade de identificar e mitigar os riscos, e que ajudar a lavagem de reputação do governo chinês corre o risco de ser cúmplice desses abusos”, disse Wang Yaqiu, pesquisador sobre a China da ONG Human Rights Watch.

Beijing nega as acusações de abusos em seu território. As principais questões são os abusos contra os uigures reportados em Xinjiang, a luta por independência de Taiwan, a repressão em Hong Kong ou a questão do Tibete.

Jogos Olímpicos de Inverno Beijing 2022 começam oficialmente em 4 de fevereiro

O boicote diplomático

Como forma de protestar contra os abusos de direitos humanos cometidos pelo governo da China, diversos governos aderiram ao boicote diplomático aos Jogos Olímpicos de Inverno Beijing 2022. Assim, não enviarão representantes estatais ao evento, mas os atletas podem competir normalmente. A medida visa somente a ferir o orgulho do país-sede, algo particularmente relevante para Beijing. Saiba quem aderiu ao boicote.

NA EUROPA

Lituânia

Envolta em uma crise diplomática com a China após a abertura de uma embaixada de fato de Taiwan em seu território, a Lituânia foi o primeiro país do mundo a anunciar um boicote diplomático aos Jogos Olímpicos de Inverno. O presidente Gitanas Nauseda confirmou que nem ele nem nenhum ministro do governo irá prestigiar os Jogos.

Bélgica

Conforme o primeiro-ministro belga Alexander De Croo afirmou aos parlamentares de seu país no dia 18 de dezembro, “o governo federal não enviará representação aos Jogos”.

Dinamarca

Copenhague afirmou no dia 14 de janeiro que não enviaria representação diplomática aos Jogos, devido à situação dos direitos humanos na China.

O resto da União Europeia

Vários Estados-Membros ainda não se pronunciaram, argumentando que aguardam uma tomada de decisão em comum acordo da União Europeia (UE).

Na França, o discurso é contraditório. O Ministério da Educação, Juventude e Esportes declarou à imprensa que “o esporte é um mundo em si que deve ser preservado tanto quanto possível da interferência política”, confirmando a presença de algumas autoridades. Do outro lado, o ministro das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian, afirmou que Paris é “a favor da posição comum” e que “esta questão deve ser tratada como a Europa”.

Alemanha deu justificativa semelhante à maioria que não bateu o martelo sobre o assunto, argumentando que “a decisão deve ser tomada em harmonia com nossos amigos europeus”.

Apesar da declarada predileção por uma posição afinada, vários líderes duvidam da capacidade do bloco de chegar a uma decisão conjunta e até mesmo da utilidade de um boicote Caso do primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean Asselborn, que afirmou que “os Jogos Olímpicos são sempre políticos, não há Jogos Olímpicos politicamente neutros”.

Reino Unido

O premiê britânico Boris Johnson anunciou o boicote no dia 8 de dezembro. “Haverá efetivamente um boicote diplomático aos Jogos Olímpicos de Inverno em Beijing”, declarou ele, acrescentando que “o governo não hesita em levantar essas questões com a China, como fiz com o presidente Xi na última vez em que falei com ele”.

NAS AMÉRICAS

O primeiro país a anunciar o boicote foi os Estados Unidos, decisão que se escorou sobretudo nas acusações de genocídio que pesam contra Beijing na região de Xinjiang, devido ao tratamento dispensado pelo país à minoria étnica dos uigures.

O Canadá seguiu o exemplo. O primeiro-ministro Justin Trudeau se justificou: “Nos últimos anos, temos sido muito claros sobre nossas profundas preocupações em relação às violações dos direitos humanos“.

NA ÁSIA

Japão não enviará uma delegação de ministros aos Jogos, mas preferiu não chamar o gesto de boicote, como explicou o secretário-chefe de gabinete Hirokazu Matsuno à imprensa: “Não usamos um termo específico para descrever como comparecemos”.

Já o premiê Fumio Kishida, que fez dos direitos humanos a principal bandeira de sua diplomacia ao criar um cargo consultivo especial para lidar com a questão, disse que espera estabelecer uma relação construtiva com os vizinhos. “O Japão acredita que é importante para a China garantir os valores universais de liberdade, respeito pelos direitos humanos básicos e o Estado de Direito, que são valores universais na comunidade internacional”, disse Matsuno.

NA OCEANIA

A Austrália foi o primeiro país a seguir o passo de Washington, anunciando o boicote em 8 de dezembro. O primeiro-ministro Scott Morrison usou o mesmo argumento dos abusos dos direitos humanos, mas citou ainda as recentes sanções impostas por Beijing a Camberra. A relação bilateral entre as nações está desgastada, e o embaixador da China em Camberra, Cheng Jingye, anunciou em outubro que deixaria o posto ao fim do mandato.

A Nova Zelândia apoiou Canberra na decisão, justificando que era “a coisa certa a fazer”. No entanto, as autoridades locais enfatizaram que “houve uma série de fatores, mas principalmente a ver com Covid-19”.

Tags: